Na segunda audiência promovida na quarta-feira (20) sobre a regulamentação do uso da maconha, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) discutiu formas de prevenção do uso precoce da droga entre crianças e adolescentes. Na avaliação dos especialistas, o conhecimento dos fatores que motivam o uso da droga é fundamental para a implantação de políticas efetivas.
O pediatra e representante da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) nas ações de combate ao álcool, tabaco e drogas, dr. João Paulo Becker Lotufo, enxerga muitas semelhanças entre a inserção da maconha na vida dos jovens e a inserção do tabaco em décadas anteriores. “Para muitos adolescentes a primeira droga utilizada já não é mais o tabaco. Acredito que a maconha hoje é o tabaco da década de 1950. Para passar da adolescência para a vida adulta, havia um ‘pedágio’, que era o tabagismo. Hoje, a maconha ocupa esse lugar”, observou.
Lotufo explicou que os motivos que levavam a juventude de gerações anteriores a se aventurar com os cigarros de nicotina se repetem, hoje, com a maconha: “o hábito é visto como ‘charmoso’, dá prazer, acalma e contribui para a socialização. Além disso, os jovens desconhecem os problemas de saúde associados, acreditam que não há risco de vício e têm a impressão de que todos estão fazendo”, comentou.
A professora Andrea Gallassi, do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), citou estudos internacionais que exploram as razões que levam jovens a experimentarem drogas. Para ela, esse entendimento é crucial para a elaboração de abordagens preventivas que sensibilizem os adolescentes.
“Há uma ideia de que adolescentes usam drogas para fugir de problemas. O consumo é sempre associado a uma questão negativa. Mas nós observamos que tem uma mistura. As questões da diversão e do prazer estão associadas também. É importante termos isso claro para desenvolver programas de prevenção que se aproximem de adolescentes com a fala adequada”, ponderou.
Gallassi mencionou um levantamento do Instituto Nacional para Abuso de Drogas dos Estados Unidos (National Institute on Drug Abuse — NIDA) que indicou que as três principais razões que levam à experimentação são a curiosidade, a vontade de se sentir bem e o desejo de exercer melhor determinadas atividades (como a convivência social ou os estudos).
EDUCAÇÃO – O pneumologista Alberto José de Araújo, que integra a Comissão de Drogas Lícitas e Ilícitas do Conselho Federal de Medicina (CFM), citou um exemplo específico de como iniciativas bem-intencionadas podem passar a mensagem errada. “Quem dá, nas escolas, grande parte das aulas sobre drogas? Um agente de segurança, um policial, um bombeiro. Não é bom. A missão dele é reprimir. Deveria ser um professor”, opinou.
Essa avaliação foi corroborada por Gustavo Camilo Baptista, diretor de Articulação e Projetos da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça. Segundo ele, o órgão percebeu que algumas iniciativas oficiais estavam alcançando o efeito oposto ao pretendido.
“Um dos grandes problemas da área de prevenção do uso de drogas é que, muitas vezes, um programa, em vez de diminuir a motivação de uma pessoa a usar drogas, termina aumentando. Alguns programas que o Ministério da Justiça realizou no passado tiveram avaliações externas que mostraram estimulação. Hoje, o Ministério tem a preocupação de, antes de lançar um programa em larga escala, fazer uma avaliação-piloto”, destacou.
LEGALIZAÇÃO – O pediatra dr. João Paulo Lotufo relatou que são cada vez mais comuns os casos de adolescentes ou até mesmo crianças que necessitam de atendimento médico urgente para casos de alta gravidade relacionados ao consumo de drogas. Na sua visão, a legalização das substâncias hoje ilícitas elevaria o consumo e aumentaria essas incidências. Alberto José de Araújo ponderou que, no caso da maconha, é preciso separar no debate o tema dos tratamentos medicinais de eficácia comprovada. Ele argumentou que há evidências de que o consumo da droga traz prejuízos cognitivos, mas defendeu que ela seja tratada como um problema de saúde, não de polícia.
“Temos dois grandes campos de batalha em relação à maconha. Um deles é garantir que as boas propriedades medicinais, algumas ainda desconhecidas, possam ser aproveitadas para benefício humano. Ao mesmo tempo, evitar que a maconha possa provocar dor e doença nas pessoas, especialmente se o consumo começa na juventude”, frisou.
A professora Andrea Gallassi observou que a maioria dos riscos e prejuízos relacionados ao uso de drogas não tem a ver apenas com o uso em si. Isso porque, segundo explicou ela, esse hábito costuma vir associado a outros aspectos de marginalização social.
“Quando falamos de uso de drogas na adolescência, estamos falando de um cardápio de vulnerabilidades. Não posso dizer que uso de drogas é a principal ou não ou que as outras vulnerabilidades causam o uso, mas temos que observar que esses adolescentes também estão expostos a outras situações adversas”, ressaltou.
(Com informações da Agência Senado)*
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