Estudo publicado no BMJ Open analisa a relação entre cesáreas e a prevalência de nascimentos de bebês pré-termo e a termo precoce

A relação entre partos cesarianos e a prevalência de nascimentos pré-termo e a termo precoce no Brasil é o tema de um novo estudo publicado no BMJ Open, revista médica de acesso aberto, criada em 2011 e que considera artigos que abordam questões de pesquisa em medicina clínica, saúde pública e epidemiologia. O estudo, feito pelas Universidades Católica e Federal de Pelotas e coordenado pelo professor dr. Fernando Barros, mostra que 4 em cada 10 bebês nascem antes da idade gestacional ideal, que é entre 39 e 41 semanas.

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Recente artigo mostrou que o Brasil é o país com o segundo maior número de cesáreas no mundo (55,6% em 2012) ficando abaixo somente da República Dominicana (56,4% em 2013). As taxas desse tipo de parto variam entre 3,0% na África Ocidental e 40,5% na América Latina e no Caribe.

Com o objetivo de investigar se essas altas taxas afetaram a idade gestacional no País, ou seja, se impactaram na prevalência de nascimentos de pré-termos – bebês nascidos antes de 37 semanas – e a termo precoce – aqueles nascidos entre 37 e 38 semanas -, a pesquisa utilizou as informações sobre nascimentos contidas no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS) de 2015, ano no qual já tinha os dados consolidados.

NASCIMENTOS - Em 2015, foram quase 3 milhões de bebês nascidos e as análises se realizaram considerando cada nascimento individualmente, em um primeiro momento, e também se concentraram nos 520 municípios com mais de mil nascimentos, que representam 82,4% de todos os partos no País. Estes municípios foram separados em sete categorias levando em consideração a porcentagem de realização de cesáreas (<30%, 30%-39.9%, 40%-49,9%, 50%-59,9%, 60-69%, 70%-79,9% e > 80%).

O estudo mostrou, primeiramente, que a prevalência de cesáreas no país foi de 55.5%, sendo 37.8% entre as mulheres com escolaridade entre 0-4 anos e 79.7% entre aqueles com mais de 12 anos completados na escola. A prevalência de nascimentos pré-termo foi de 10.1%, variando de 12,2% entre as mulheres com menor nível educacional a 9.3% entre aquelas com maior escolaridade. Nascimentos entre 37-38 semanas representaram 29.8% e entre 39-41 semanas, 56.9%.

Na análise dos municípios, entre aqueles que apresentavam taxas de cesárea superiores a 80%, o indicador de partos pré-termo era 21% maior do que nos que registravam menor proporção (com menos de 30% de cesáreas). No entanto, a principal diferença foi identificada na frequência dos nascimentos a termo precoce. Nas cidades onde as taxas de cesárea superam os 80%, a prevalência dos nascimentos de bebês nesta fase da gestação foi 64% superior quando comparado com municípios que tinham menos de 30% de cesáreas.

Segundo o dr. Fernando Barros, os especialistas devem estar atentos a esses números porque 10% dos nascimentos são de pré-termos e 30% (900 mil nascimentos por ano) de nascimentos de 37-38 semanas, antes da idade gestacional ideal de nascimento. “Os bebês nascidos entre 37 e 38 semanas (a termo precoce) enfrentam riscos moderados, menores que aqueles nascidos antes de 37 semanas (pré-termos). No entanto, o número de nascidos entre 37-38 semanas é três vezes superior ao de pré-termos. Esses bebês têm maior chance de adoecer e, no futuro, de apresentar problemas de aprendizado. Este é um problema que oferece riscos a curto, médio e longo prazo”, explica.

PRE-TERMOS - O epidemiologista salienta que a taxa de pré-termos é elevada, duas vezes maior do que em países ricos, mas este problema é mais conhecido e, portanto, há estudos, campanhas e mobilizações acerca do tema. “A maior parte da alta prevalência de pré-termos no Brasil se deve a um conjunto de fatores de risco que estão presentes principalmente entre mulheres socialmente desfavorecidas, e que devem ser enfrentados por ações que começam no período pré-concepcional”, observa o dr. Fernando Barros.

O especialista frisa que as informações sobre as altas taxas de nascidos a termo precoce ainda não são tão discutidas e divulgadas e é necessário que isso ocorra, pois esta situação também configura um problema de saúde pública. “O quadro traz ainda mais preocupação face à grave crise econômica que o País atravessa, que causou grandes cortes nos orçamentos dos sistemas de saúde e da educação primária”, destaca.

No texto, ainda são apresentados dados de três pesquisas internacionais que corroboram a hipótese do artigo. Um deles foi realizado com crianças com 6 anos na Bielorrússia e mostrou que o QI de crianças nascidas com 37 semanas é significativamente menor do que o daquelas nascidas entre 39 e 41 semanas de gestação.

OUTROS DADOS - Já o outro trabalho feito na Escócia revelou que crianças nascidas a termo precoce têm mais necessidades de recorrer a cursos especiais de educação do que as que nascem após 39 semanas. Na Suécia, as taxas de jovens entre 23 e 29 anos que recebem algum tipo de auxílio por problemas de saúde ou incapacidade é maior entre aqueles que nasceram com 37 e 38 semanas de gestação do que entre aqueles que nasceram entre 39 e 41 semanas.

A pesquisa revelou ainda que entre mulheres com menos de 4 anos de estudo, 35% das cesáreas foram realizadas antes do início do trabalho de parto e as restantes 65% quando o trabalho de parto já havia iniciado. A situação foi bem diferente quando foram analisadas mulheres com mais de 12 anos de escolaridade: 62% das cesáreas foram eletivas e somente 38% foram realizadas após o início do trabalho de parto.

Para a dra. Maria Albertina Santiago Rêgo, membro do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o estudo coordenado pelo dr. Fernando Barros é de suma importância para refletir sobre o assunto. “É extremamente relevante que os pediatras fiquem atentos às informações reveladas no artigo porque esses dados são importantíssimos e mostram a necessidade de se tomar medidas para reduzir a cesáreas no País”, explica.

Algumas campanhas têm sido feitas visando minimizar as consequências negativas do alto número de cesáreas eletivas feitas no País. O Conselho Federal de Medicina (CFM) fez uma resolução em 2016 informando que a mulher tem o direito de escolher a cesárea, mesmo sem motivos de saúde, mas os médicos devem esperar até a idade gestacional de 39 semanas.

Por sua vez, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou em 2017 uma campanha intitulada “quem espera, espera” promovendo o parto humanizado e a ideia que as cesáreas não deveriam ser feitas antes do começo do trabalho de parto.

NASCIMENTO SEGURO – A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) também lançou recentemente a campanha “Nascimento Seguro”, na qual convoca o Brasil a defender o acesso das famílias e profissionais a um elenco de serviços e medidas, na área da saúde, que contribuam para o nascimento seguro dos bebês no País. O esforço envolve atividades em vários níveis: ações de comunicação, estímulo à mobilização popular e busca de diálogo com setores do Governo em busca de soluções para os problemas diagnosticados.

Segundo a dra Maria Albertina, os pediatras têm um importante papel a desempenhar no aperfeiçoamento da atenção nesse campo específico. Para ela, o debate e a análise aprofundada de todos os aspectos relacionados ao nascimento contribuirão para a implementação de avanços na saúde do neonato e materna. “Nosso documento aborda os pontos críticos dos fluxos assistenciais e dos processos clínicos no percurso inicial de vida da criança”, salientou.

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Para a campanha foi lançado um documento científico com as diretrizes sobre o tema, tendo como foco a qualidade dos serviços e sua repercussão para mães, bebês e profissionais. “Um nascimento seguro precisa ocorrer em um sistema de saúde organizado, com uma assistência pré-natal de qualidade, com um cuidado realizado em local com infraestrutura e material apropriados, com a presença de profissionais adequadamente capacitados e fundamentalmente com a participação do pediatra em todas as etapas deste processo”, enfatiza o documento.

*Com informações do jornal O Estado de São Paulo