Brasília, quinta-feira, 01 de janeiro de 2009
DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, é professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
A sabedoria popular reconhece que nunca é tarde para navegar sonhos, projetar avanços, delinear mudanças, revitalizar paisagens perdidas. Afinal, a vida não cessa, transmuda-se. Tem a dinâmica efervescente e a melodia interminável das ondas do mar, quando buscam o remanso arenoso da praia para o início de novo ciclo.
Assim é a sociedade humana, uma convergência tão natural quanto fascinante de seres que nascem indivíduos, se socializam pessoas e se completam cidadãos. São entes singulares que requerem aprimoramento contínuo, interminável. Paulo Freire disse que o homem será sempre um ser inacabado. Uma obra cujo projeto não tem prazo para ser concluído. Disse também que, ao descobrir o tempo, o homem aprendeu a temporalizar suas ações, tornando-se, desde então, um ser histórico. Daí a coerente sucessão de capítulos, eras, venturas e desventuras por vezes brutais em que se dá a lenta, porém contínua, metamorfose da espécie humana sobre o planeta.
Cada ano que se anuncia novo desponta, como outros tantos, na rota ininterrupta dos calendários vividos. Traz a face deprimida de desejos irrealizados, sombras de quimeras insepultas, amargura de ilusões soterradas. São as impregnações substanciais a mostrar esperanças frustradas, utopias carcomidas, voos existenciais abortados pelo mau tempo social. Traz, também, a alegria das conquistas coletivas ou pessoais, moldadas na essência construtiva da mágica argamassa que pavimenta o caminho da humanidade. Com avanços e recuos, atalhos e desvios, nunca em linha reta, mas no imprevisível rumo que a evolução humana habilidosamente concebe.
O ano-novo é tempo de rever expectativas traídas, fazer renascer a voz de ideais silenciados, atualizar estratégias exauridas pelos preconceitos, retomar lutas adiadas pelas forças do atraso. É o momento que revigora a crença na vocação do homem para o bem comum. Assim chegou o ano de 2009. Entre fogos e artifícios, para distrair nossa gente reunida nos coliseus itinerantes da modernidade, impressionada pelas explosões espetaculosas de rara e cara beleza a iluminar a arena celestial da noite do réveillon.
É justamente na alvorada do novo ano que se vislumbram os maiores desafios para a nação brasileira. Alguns, mais palpitantes, outros menos. Todos inadiáveis, porquanto se arrastam há tempos sem solução. Por isso, o povo tem de despertar para a premência das transformações que sua dura realidade exige. Não é só abraçar e formular votos de feliz ano-novo. Mas manifestar a reivindicação de que, em 2009, a educação infantil se converta na maior prioridade do Brasil. Não somente a educação escolarizada, mas a garantia de ambientes de proteção e estimulação favoráveis, de qualidade, que permitam a expansão plena de todas as originalidades potenciais do ser humano ao nascer, fontes da riqueza de qualquer sociedade que investe no crescimento e no desenvolvimento saudáveis de suas crianças.
A proposta não é nenhuma novidade. O primeiro projeto de educação infantil defendido no país tem a respeitável autoria de Rui Barbosa. Foi apresentado em 1808. Fundamentou-se em justificativa irrefutável, em argumentos tão verdadeiros que nem o tempo lhe reduziu a atualidade. Transcorridos 200 anos, a educação infantil não passou de privilégio das classes ricas. Apenas 17% das crianças em idade pré-escolar, filhas de famílias carentes, têm acesso a cuidados educacionais, ainda assim de qualidade discutível.
A Sociedade Brasileira de Pediatria e a senadora Patrícia Saboya elaboraram projeto de lei que assegura, a todas as crianças despossuídas do país, o direito à educação infantil de qualidade e em tempo integral. A medida cria o Programa Nacional de Educação Infantil, expande a rede de creches e pré-escolas e já tramita no Senado Federal. Sua aprovação precisa ser meta prioritária para o ano-novo. Um passo importante para recuperar os 200 anos perdidos desde a ideia pioneira de Rui Barbosa.
Outros votos reivindicatórios devem firmar-se para 2009. Que o povo brasileiro comece finalmente a ser respeitado pela elite nacional. Que a educação ocupe todas as agendas do ano. Que se construam escolas de alto padrão, não presídios de segurança máxima. Que se remunere o professor como o juiz de direito para que se faça justiça. Que o investimento na primeira infância seja visto como única política capaz de projetar o Brasil na modernidade. Que os governantes entendam que, sem educação infantil, o país não sairá da areia movediça em que se debate inutilmente há séculos.
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