Por Natalia Cuminale
Poucas coisas exercem, sobre crianças e adolescentes, tanta atração quanto TV, internet e games. Criados em um ambiente repleto de tecnologia, esses jovens passam boa parte do dia (e também da noite) assistindo a filmes, navegando páginas da rede ou buscando derrotar um inimigo virtual para avançar para a próxima fase de seu jogo favorito. A despeito das enriquecedoras descobertas que fazem nesses campos, eles não devem, contudo, ser deixados à própria sorte nessas aventuras, sob pena de sofrerem diversos distúrbios. Essa é uma das conclusões do relatório Health Effects of Media on Children and Adolescents (Efeitos da mídia sobre a saúde de crianças e adolescentes), uma compilação de dezenas de estudos científicos da Academia Americana de Pediatria (AAP) publicada recentemente. Confira no quadro abaixo as principais consequências do uso ilimitado de dispositivos eletrônicos na vida dos pequenos e jovens.
VEJA.com procurou especialistas brasileiros para entender se as questões que atormentam pediatras, pais e professores americanos também se aplicam ao Brasil. A resposta é “sim“ (confira as ponderações dos estudiosos brasileiros a partir dos links desta página). A primeira evidência disso são os números. Segundo os dados americanos, crianças e adolescentes dedicam cerca de sete horas diárias aos meios eletrônicos (TV, celular, game, web). A atividade só é superada em número de horas pelo repouso noturno. Por aqui, a situação não é muito diferente: os brasileiros entre 4 e 11 anos passaram mais de cinco horas só diante da TV em 2009, segundo o Ibope Mídia.
Os males da TV, web e games para a vida de crianças e adolescentes
Observar, participar e limitar. Essas são recomendações a serem seguidas exaustivamente pelos pais que não querem se deparar com problemas no futuro. “Os pais precisam dosar o conteúdo e principalmente fazer companhia para as crianças”, defende Ana Margareth Bassols, chefe do serviço de psiquiatria da infância e adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Victor Strasburguer, organizador da compilação americana, vai no mesmo sentido: “Uma criança de cinco anos não precisa de celular; aos dez, ela não precisa de celular com câmera. As crianças não precisam de conexão com a internet ou de TV em seus quartos. Acho que os pais precisam fazer mais do que fazem atualmente sobre essa questão”, sentencia o pediatra. Confira no quadro abaixo o papel de pais, médicos e educadores no assunto.
Segundo os estudos americanos, uma TV no quarto aumenta em 31% o risco de um jovem desenvolver sobrepeso. “Vivemos uma epidemia de obesidade no mundo. Certamente a propaganda de alimentos ricos em sal, açúcar e gorduras, o tempo que as crianças ficam na frente da TV e os videogames contribuem para essa epidemia”, afirma a nefrologista pediátrica Noêmia Perli Goldraich, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Manter computador ou TV no quarto dos filhos impede os pais de controlar o que acontece a portas fechadas. Por exemplo, uma criança que deveria dormir às 22h pode estender o bate-papo on-line por mais duas horas sem que os pais percebam. Substituir as horas de sono para permanecer conectado à web ou para ver filmes também pode trazer impactos para o desenvolvimento, explica Márcia Pradella Hallinan, neurologista e chefe do setor de crianças e adolescentes do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os pais devem estar vigilante também aos locais virtuais onde as crianças navegam. Controlar é preciso, mas deve-se evitar radicalismos, como a imposição de regras muito duras. “Proibir o uso ou bloquear o acesso é totalmente fora da realidade atual. Eles vão arrumar alguma forma de acessar, seja na casa do amigo ou em uma lan house. O ideal mesmo é supervisionar”, prega Renata Waksman, pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo.
Os médicos também devem entrar nessa batalha, defendem em uníssono o relatório americano e os especialistas brasileiros. “Os pais devem pedir esclarecimento aos pediatras e se comportar de acordo com a faixa etária do filho. Trazer questionamentos para a consulta faz com que isso seja mais discutido”, diz Ricardo Halpern, presidente do departamento de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria.Professores também são fundamentais na orientação das crianças. De acordo com o relatório da AAP, porém, as escolas não têm acompanhado o ritmo das inovações tecnológicas no campo da informação e entretenimento. Vânia Lúcia Quintão, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, acredita que é preciso desenvolver o senso crítico nos pequenos. “É importante que a escola faça uma ponte entre o que as crianças assistem e o que elas entendem. Para isso, é necessário que o professor conheça a cultura infantil, ou seja, o que as crianças consomem”.
O que pais, escolas e demais atores podem fazer em defesa das crianças
Foto: Getry
Se o controle do comportamento infantil já era difícil nos tempos da TV, a situação ficou ainda mais complicada com a popularização da internet. Crianças e adolescentes participam ativamente de redes sociais, usam programas de conversação on-line e acessam inúmeros sites. Estudos recentes revelaram que há referências ao uso de álcool e drogas em 40% dos perfis dos jovens nos endereços de relacionamento.Renata Waksman, pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, e membro do Departamento de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), faz um alerta: é preciso conhecer a vida de crianças e adolescentes na web. Confira a seguir a entrevista que ela concedeu a VEJA.com sobre o assunto.
As crianças já estão inseridas na era digital. Isso traz preocupações?
O perfil da nossa sociedade mudou. O pai e a mãe trabalham o dia inteiro. Muitos não têm disposição e tempo para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos – que contam com livre acesso à TV, filmes, jogos e internet. Os pais não sabem em que sites eles entram, de que comunidades participam, o que fazem lá ou mesmo se marcam encontros pela rede.
Como se aproximar dessa realidade?
O primeiro passo é tirar o computador de dentro do quarto. A máquina deve ser colocada na área comum, onde as pessoas transitem. Depois, é preciso questionar que tipo de atividades as crianças realizam quando estão na web. Também é necessário limitar o tempo de navegação.
O que a senhora acha do comportamento dos pais que proíbem o uso de computador?
Proibir o uso ou bloquear ao acesso é totalmente fora da realidade atual. Eles vão arrumar alguma forma de acessar, seja na casa do amigo ou em uma lan house. O ideal mesmo é supervisionar. Às vezes, as crianças são completamente negligenciadas e têm acesso a conteúdos que ainda não estão preparadas para assimilar.
O que pode acontecer, se não houver controle?
A rede abre possibilidade para o cyberbullying, por exemplo. Os filhos podem ser os agressores, e os pais não fazem ideia. Ou as crianças podem ser alvo de ameaças de grupos que querem intimidar. O fato é que, se o acesso não for muito bem acompanhado e vigiado, a situação pode sair completamente do controle e afetar a vida real do jovem.
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Duas horas é o período máximo que crianças a partir de dois anos devem ficar diante da TV, segundo recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP). Embora não exista um número estabelecido pelas autoridades de saúde brasileiras, a indicação dos Estados Unidos é validada pelo presidente do departamento de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Ricardo Halpern. O especialista defende ainda uma participação mais ativa dos pediatras brasileiros na difícil tarefa de limitar o acesso de crianças e adolescentes a dispositivos eletrônicos como TV, computador com acesso à internet, games e celulares. Confira a seguir a entrevista que Halpern concedeu a VEJA.com.
A Academia Americana de Pediatria publicou recentemente uma compilação que evidencia os efeitos negativos do uso excessivo de dispositivos eletrônicos por crianças e adolescentes. Essa é uma realidade que também preocupa a Sociedade Brasileira de Pediatria?
Sem dúvida. Os jovens brasileiros também têm acesso à mídia e provavelmente os efeitos que ocorrem lá são semelhantes aos que ocorrem aqui. A diferença é a magnitude. No Brasil, o tema é discutido em vários eventos da sociedade. Apesar de não existir uma recomendação formal, fazemos uma orientação: deve existir um limite de horas em frente à TV, assim como o envolvimento por parte dos pais na escolha da programação. Recomendamos que as crianças não tenham TV e computador dentro do quarto.
Por que ainda não há uma normatização, assim como ocorre na AAP?
É uma questão que a SBP se preocupa em normatizar. Esse tema deve ser abordado no próximo livro da Sociedade, sobre crianças de dois a dez anos. Temos que lembrar que essa é uma situação relativamente nova. Durante muito tempo, a pediatria se preocupou com doenças infecciosas e agora nós temos novos problemas que afetam a saúde. Em larga escala, temos TV no Brasil há 50 anos. O excesso de tecnologia, e seus efeitos negativos, é um problema que está aparecendo e passa a cumprir uma agenda. Ainda temos poucos estudos brasileiros sobre isso.
Falar sobre o uso consciente dos meios eletrônicos está no cotidiano dos pediatras?
Imagino que isso não deve fazer parte da rotina de todas as orientações, como ocorre com as indicações para prevenções de acidentes domésticos, por exemplo. Mas certamente deveria estar nas recomendações. Sabendo de todas as consequências negativas, podemos considerar um problema de saúde pública. É papel da SBP oferecer informações aos médicos.
Que orientações dar aos pais que precisam de informações sobre o tema?
A exposição exagerada ao computador, videogame ou TV é um problema. Os pais devem pedir esclarecimento aos pediatras e se comportar de acordo com a faixa etária do filho. Trazer questionamentos para a consulta faz com que isso seja mais discutido.
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