Ilusões da Copa do Mundo, eleições presidenciais e carnaval já terminaram. Tudo em cinzas. Passada a anestesia carnavalesca, as dores do cotidiano ressurgem e se intensificam. A dimensão da degradante crise enfrentada pelo país torna-se, a cada dia, mais clara apesar da cortina de fumaça com a qual se tenta ocultá-la. Ao Brasil resta, como única alternativa, renascer das cinzas; alçar voos sustentáveis rumo a um modelo de sociedade justa, sem o qual o país sobrevive a duras penas e a nação desaparecerá. A bússola do humanismo é o equipamento indispensável para nortear as rotas a serem percorridas na direção correta.
Uma das mais urgentes decolagens, cujo atraso não se pode admitir, é a universalização da licença-maternidade de seis meses. A mulher tem direito inalienável ao exercício pleno da maternidade, e a criança, ao terno aconchego desde o início da infância. Essa licença nada mais é que a reconstrução do ambiente humano insubstituível para acolher o novo ser que vem ao mundo para perpetuar a espécie. Não pode ser analisada como iniciativa dependente de indicadores econômicos que comandam o espetáculo. Ao contrário, inscreve-se entre as medidas que, levadas a sério, fundamentam solidamente a nação. Não é o mero benefício trabalhista, entendido na lógica em vigor. Representa, na verdade, a concretude do respeito para com o desempenho da trabalhosa e complexa missão da maternidade, inerente ao gênero feminino desde a origem da espécie.
A duração da licença-maternidade não se baseia em critério matemático nem financeiro. Fundamenta-se em conhecimentos científicos que comprovam a essencialidade dos cuidados maternos, coadjuvados pelo apoio paterno, como pré-requisito da formação e desabrochamento saudáveis da nova criatura. Corresponde ao período durante o qual o cérebro humano requer condições nutricionais, afetivas e psicológicas singulares para crescer em tamanho, diferenciar-se em estrutura e consolidar o universo mental que sustenta a maturação da personalidade. Os seis primeiros meses de vida representam o marco inicial dessa decisiva caminhada. É quando o órgão central da inteligência humana aumenta na velocidade mais rápida de toda a existência do indivíduo, ou seja, 2g por dia. É quando a criança começa a ser alimentada pela boca, aprimora a visão, movimenta-se, interage por meio de sorriso social, adquirindo progressivamente a percepção da própria identidade à medida que se sente pertencida pela figura materna. A amamentação nutre o corpo e tece a alma do bebê.
Conquistas sociais desse valor são prioritárias. Revertem os grosseiros equívocos que distanciam a nação brasileira da riqueza das raízes culturais e dos valores humanos. No entanto, a postura indecorosa e interesseira do poder político tem inviabilizado os avanços de tal natureza no país. É o que ocorreu com o projeto de lei oriundo da parceria entre a Sociedade Brasileira de Pediatria e a então senadora Patrícia Saboya, que estabelecia a ampliação da licença-maternidade para seis meses, como direito a ser assegurado a todas as mães trabalhadoras. Durante os quase quatro anos de tramitação, a proposta foi endossada pelo Senado, discutida e aceita nacionalmente, sendo aprovada pela plenária da Câmara dos Deputados em 2008. Porém, o presidente da República não soube atentar para a abrangência social do projeto. Vetou um dos artigos para excluir as trabalhadoras das micro e pequenas empresas do acesso a tão relevante direito. Gerou, como consequência, outra deplorável desigualdade no país. Banalizou a cláusula constitucional pétrea da igualdade.
Incontável número de bebês é vítima da triste negação. Cérebros deixam de crescer e de se diferenciar na plenitude da carga potencial. A iniquidade aprofunda-se. O baixo desempenho escolar seguirá frustrando milhares de crianças lesadas nos seus direitos. O nível intelectual da sociedade sofre perdas injustificáveis provocadas pela absurda decisão, fundada em lógica econômica improcedente, de alijar da licença-maternidade de seis meses parcela importante das mulheres trabalhadoras.
Para renascer das cinzas, o Brasil tem que se mexer. Os cérebros das novas gerações não podem continuar sendo prejudicados pela insensibilidade dos governantes. A universalização da licença-maternidade de seis meses precisa ser adotada, em caráter emergencial, para proteger a infância do país. Se não implantada em tempo hábil, os mandatários deveriam responder pela grave omissão cometida.
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