Somente no SUS, cerca de 10 menores de cinco anos são internados todos os dias por desnutrição e outras deficiências nutricionais
A grave crise econômica, a pandemia de covid-19, a piora da renda das famílias, o aumento da insegurança alimentar, do preço dos alimentos, das condições de moradia e de saneamento básico, a queda das taxas de imunização, entre outros fatores foram apontados pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) como possíveis causas para a piora do quadro de hospitalizações de crianças associadas à desnutrição. Levantamento da entidade mostra que, na última década, a desnutrição, sequelas da desnutrição e de outras deficiências nutricionais levaram à internação hospitalar mais de 43 mil crianças menores de cinco anos.
“A desnutrição atinge de forma mais frequente e intensa as crianças mais jovens. Em longo prazo, as crianças que sofreram com desnutrição no início da vida também podem apresentar prejuízo do desenvolvimento neuropsicomotor e aumento do risco para desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão e, inclusive, excesso de peso”, apontam os membros do Departamento Científico de Nutrologia da SBP no documento científico “A desnutrição infantil voltou?”, divulgado nesta semana.
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Os pediatras destacam que, frente ao retorno da desnutrição ao cenário pediátrico nacional, torna-se importante a implantação de estratégias multissetoriais, combinadas e amplas envolvendo todos os setores da sociedade (governo, sociedades científicas, universidades, organizações do terceiro setor e setor privado) para prevenção da desnutrição e tratamento oportuno.
Dentre as recomendações da SBP para conter o avanço da desnutrição no Brasil estão a geração e ampliação de políticas públicas que levem mais investimento a ações de promoção à saúde e educação para primeira infância; e o fortalecimento do sistema de saúde na Atenção Básica, especializada e hospitalar com a presença do pediatra no atendimento e planejamento do cuidado integral da criança, vigilância do crescimento e desenvolvimento.
Também é indicada a implantação de estratégias que promovam a prática do aleitamento materno e da alimentação complementar com adequada frequência, diversidade e oferta de alimentos saudáveis; além da revisão, adaptação e divulgação das recomendações para diagnóstico e tratamento de crianças desnutridas, visando reduzir a morbimortalidade em curto prazo nesse grupo.
CENÁRIO NACIONAL – Dados do Sistema de Informações Hospitalares, do Ministério da Saúde, mostram que, entre janeiro de 2012 e novembro de 2022, foram registradas quase 400 mil hospitalizações motivadas pela desnutrição, somente na rede pública. Cerca de 28,6 mil foram de crianças menores de um ano e outros 14,7 mil casos envolveram crianças entre um e quatro anos. Ao longo dos anos, é possível observar que a proporção de internações de menores de cinco anos praticamente dobrou frente ao total, passando de 8% em 2012 para 16% em 2021 e 18% em 2022.
Em valores absolutos, a região Nordeste registrou o maior número de hospitalizações de menores de cinco anos: 15,5 mil ou 36% dos casos registrados desde 2012. Só na Bahia foram mais de 6 mil bebês e crianças precisaram ser internados para tratamento no período. Na sequência, aparece o Sudeste, com 26% dos casos. Norte e Sul dividem a terceira posição com 14% da quantidade de internações, cada, e o Centro-Oeste registrou 10% das hospitalizações.
A presidente do Departamento de Nutrologia da SBP, Fabíola Suano, acredita, no entanto, que os dados da Região Norte estejam subestimados. “Sabemos que é uma região muito grande, onde a desnutrição é muito mais prevalente do que em outros locais do País e que, por vezes, a criança não chega sequer a ser atendida no hospital”, lamentou. Segundo ela, a subnotificação das informações sobre desnutrição naquela região é conhecida e tem prejudicado a avaliação e definição das políticas públicas locais.
Confira abaixo:
MENORES DE UM ANO – Os números analisados pela SBP confirmam os resultados de estudo recém anunciado pelo “Observa Infância”, iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que mostrou que o Brasil registrou em 2021 a maior taxa de hospitalizações de crianças menores de um ano associadas à desnutrição, com 113 hospitalizações para cada 100 mil nascidos vivos.
De acordo com os pesquisadores, a tendência é diferente da observada no número de mortes e na taxa de mortalidade pela mesma causa nessa faixa etária, que registra queda constante desde 2009 e chegou à menor marca em 2020, último ano com dados consolidados.
A região Sul foi a única que registrou queda na taxa de hospitalização por desnutrição em menores de um ano entre 2020 e 2021. Já a região Centro-Oeste foi a que registrou o maior aumento: 30% entre o primeiro e o segundo ano da pandemia.
Ainda assim, a pior taxa de hospitalização por desnutrição também foi registrada no Nordeste, região onde foram informadas 171 internações de bebês menores de um ano para cada 100 mil nascidos vivos em 2021, 51% acima da taxa nacional.
CAPACITAÇÃO – Diante do cenário atual, a entidade também preparou um documento voltado aos pediatras sobre o tema. Intitulado “Princípios da abordagem e tratamento da desnutrição grave em crianças”, a nota de alerta também produzida pelo DC de Nutrologia aborda e esquematiza de forma sucinta a diretriz da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre crianças gravemente desnutridas.
No texto, os pediatras abordam os critérios de diagnósticos e formas clínicas clássicas da desnutrição aguda grave (DG); e os aspectos gerais/10 passos da Diretriz de Tratamento nas fases de estabilização, reabilitação e acompanhamento.
“O conhecimento das particularidades fisiopatológicas, formas clínicas e a adoção sistemática das Diretrizes (“10 passos”) vigentes para tratamento de crianças com desnutrição grave relacionam-se com redução de morbimortalidade. O pediatra tem papel fundamental na composição, treinamento das equipes multiprofissionais assistenciais, na implantação e adaptação das recomendações nos diferentes cenários”, enfatizam os especialistas.
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