Ministério da Saúde banaliza a pediatria

  DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (Gpec) EDUARDO DA SILVA VAZ Médico, pediatra, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Publicação: 05/06/2015 Banalizar a assistência médica pediátrica, particularmente no período neonatal, tem sido a tônica persistente de sucessivos governos …

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DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (Gpec)

EDUARDO DA SILVA VAZ
Médico, pediatra, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Publicação: 05/06/2015

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Banalizar a assistência médica pediátrica, particularmente no período neonatal, tem sido a tônica persistente de sucessivos governos no Brasil. Gestores despreparados para as funções que exercem na área da saúde condenam a infância, a adolescência e a pediatria ao mais inominável descaso. Persistem na ignorância arcaica que considera a criança uma mera miniatura do adulto. Daí o sórdido desprezo com que a tratam.

O Ministério da Saúde quer agora acabar com a assistência pediátrica ao recém-nascido na sala de parto, em situação de cesariana eletiva, dita sem risco. Abriu consulta pública para não dizer que não falou de flores. É absurdo que o governo quer cometer. Desrespeita o ser humano que recém nasce para viver em nosso país. É a prova de que os governantes não atribuem nenhum mérito ao feto, recém-nascido, criança e adolescente. Valem nada para as políticas públicas. São vistos como estorvos. Da mesma forma, e como consequência, os médicos especializados em pediatria, que são profissionais diferenciados para cuidar dessa faixa etária, tornam-se vítimas de igual redução à insignificância. As autoridades encarregadas da saúde, máxime as que exercem a função de ministro, têm agido com frieza relativamente a esse ciclo de vida complexo, delicado, dependente do adulto e fundamental para a construção de sólida e saudável cidadania.

Excluir o pediatra das equipes que atuam na sala de parto é ameaçar dolosamente a vida do recém-nascido. A medida é condenável sob todos os aspectos. Carece de bases científicas, de essência ética e do sentimento de alteridade para com o frágil embrião da nova pessoa que vem ao mundo. Os postulados do humanismo são, assim, jogados no lixo, em benefício de interesses inconfessáveis.

Negar a assistência de qualidade ao recém-nascido, quando deixa o útero materno, é ignorar as necessidades existenciais a serem supridas de imediato e com a plena competência. É vulgarizar a demanda de uma vida que se expressa na linguagem de sinais e sintomas que somente o pediatra domina com juízo e responsabilidade profissional insubstituível. Alijá-lo da sala de parto em caso de cesariana eletiva, considerada sem risco, é a indissimulável displicência das autoridades que pretendem adotar tão injusta medida. Assim como o parto, não há cesariana sem risco. Afastar o especialista preparado para cuidar do recém-nascido equivale a dispensar o piloto de uma aeronave que fará voo em céu de brigadeiro, que não é nem seguro nem isento de riscos.

Será que as lideranças do governo, no caso as do Ministério da Saúde, negariam aos filhos ou netos recém-nascidos o acesso aos cuidados pediátricos para atendê-los na sala de parto? Será que os recém-nascidos não defenderiam, com veemente sustentação jurídica, se pudessem fazê-lo, o direito ao atendimento de qualidade no momento mais crítico de sua existência?

Recém-nascido não é simples objeto ou coisinha de nada que possa ser jogada fora porque cabe nas mãos de qualquer adulto. É o ser humano que se encontra mais próximo da fonte real da vida. Seu cerne é sublime. Só deixará de sê-lo quando se tornar adulto e, portanto, for adulterado. Por isso, tem sido discriminado por pessoas que o rejeitam porque não entendem seu idioma, não sabem ler as emoções que se expressam no iluminado semblante, não dão ouvido à sinfonia do choro, e desconhecem os terrores da memória filogenética com que nasce.

Parto normal ou cesárea são momentos vividos pelo mesmo binômio. Mãe e filho seguem unos e indivisos quando cessa a vida intrauterina. Cortar o cordão umbilical não os separa. Une-os ainda mais. Não pela placenta, mas pelo afeto, pelo amor materno que não se esgotará jamais. Ambos merecem absoluto respeito. Encontram-se expostos a risco de morte ou a sequelas para o resto da vida. Mormente, o recém-nascido, dada a fragilidade que caracteriza a fase neonatal da existência humana.

Substituir o atendimento pediátrico pelo de qualquer outro tipo de profissional é atestar ignorância científica ou desprezo para com a criatura humana, justamente quando atravessa o trauma do nascimento e começa a respirar nos primeiros instantes da vida extrauterina. O Brasil convive, pelo fato mesmo, com preocupantes índices de asfixia neonatal e de seus efeitos devastadores na mais tenra etapa da metamorfose do ser humano.

Sala de parto e cesárea sem pediatra qualificado é absoluta negação de direito ao recém-nascido. Mais um jeitinho para mudar alguma coisa a fim de que tudo fique como está no país.