No Dia Mundial do Diabetes, pediatra esclarece dúvidas sobre prevenção e cuidados com a doença na infância e adolescência

Mais de 160 países celebram no próximo dia 14 de novembro o Dia Mundial do Diabetes. Por isso, para marcar a data no Brasil e chamar a atenção da população sobre essa doença – que atinge não somente adultos, mas também a população pediátrica –, o SBP Notícias conversou com o presidente do Departamento Científico (DC) de Endocrinologia da SBP, dr. Crésio Alves, uma autoridade em endocrinologia pediátrica.

Em uma conversa reveladora, o especialista mergulha nas estratégias de prevenção e manejo do diabetes em crianças e adolescentes, desmistificando o diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 e oferecendo conselhos práticos para um estilo de vida saudável. Com um olhar atento aos sinais de alerta e à influência da dieta na infância, o dr. Alves também aborda o papel vital do pediatra e a necessidade de políticas públicas robustas para combater essa condição crescente.

Segundo o especialista, a data foi definida pela Federação Internacional de Diabetes (IDF), entidade vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), com o intuito de alertar sobre o impacto deletério da doença, estimular políticas públicas que favoreçam e possibilitem às pessoas com diabetes a viver mais e melhor, bem como de promover o diagnóstico precoce e orientar sobre formas de tratamento adequado. “A cada ano, o Dia Mundial do Diabetes seleciona um tema a ser destacado. Para o biênio 2021-2023, o slogan é: Educação para Proteger seu Futuro – Acesso aos Cuidados e Tratamento do Diabetes”, adianta o pediatra.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

SBP Notícias – Existem formas de prevenção do diabetes em crianças e adolescentes?

Dr. Crésio Alves – Atualmente, o único tipo de diabetes mellitus passível de prevenção é o diabetes mellitus tipo 2, que é o segundo tipo mais frequente na faixa etária pediátrica. Isso pode ser feito através da adoção de hábitos saudáveis de vida. Já o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é um problema que não pode ser prevenido, pois consiste numa condição do próprio organismo. Ele é o mais frequente na faixa etária pediátrica. Hoje, existe um medicamento sendo pesquisado nomeado de teplizumabe. Em 2022, ele foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos. Entretanto, esse medicamento, além de ter custo elevado e não estar disponível no Brasil, ainda precisa de mais tempo para comprovar sua real eficácia e segurança em estudos de vida real.

SBP Notícias – Quais são os hábitos saudáveis que podem ser adotados para evitar o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2? Nesse cenário, a prática de atividades físicas é importante? 

Dr. Crésio Alves – Há alguns anos, o diabetes mellitus tipo 2 era considerado uma raridade na faixa pediátrica, mas, com o aumento crescente do número de crianças com obesidade, esse tipo de diabetes tem sido mais diagnosticado principalmente em adolescentes do sexo feminino. Para que esse problema seja evitado, é fundamental a adoção de alguns hábitos, em especial: evitar o sedentarismo e aumentar a atividade física; seguir um plano alimentar rico em frutas, legumes, vegetais e carnes magras; e não consumir alimentos ultraprocessados – ou consumi-los excepcionalmente.

SBP Notícias – Como o excesso de peso ou a obesidade na infância estão relacionados ao desenvolvimento do diabetes? 

Dr. Crésio Alves – O excesso de peso aumenta a resistência à ação da insulina, fazendo com que a concentração de insulina no sangue aumente. É uma tentativa do corpo de manter a glicemia normal nas pessoas com excesso de peso. Mas, eventualmente, esse aumento da insulina não será suficiente e a pessoa poderá vir a desenvolver diabetes mellitus tipo 2.

SBP Notícias – Qual a relevância da consulta com o pediatra para evitar hábitos inadequados que podem impactar no surgimento do diabetes?

Dr. Crésio Alves – O pediatra, como médico da criança e do adolescente, tem um papel muito importante na orientação dos pais e responsáveis e das próprias crianças e adolescentes quanto a manterem hábitos saudáveis de vida, reforçando sempre essas orientações em cada consulta. Adicionalmente, devem sempre aferir e registrar dados de peso e altura e, ao identificarem que o ganho de peso está acima do esperado, reforçar as medidas educativas e encaminhar para avaliação com um especialista, caso julgue necessário.

SBP Notícias – Como uma dieta balanceada na infância pode influenciar no risco de desenvolver diabetes tipo 2 mais tarde na vida? 

Dr. Crésio Alves – Uma alimentação saudável é um dos dois pilares para a manutenção de um peso dentro do esperado. O segundo pilar é a atividade física de intensidade moderada a vigorosa, em torno de 60 minutos por dia, pelo menos 5 dias por semana.

SBP Notícias – Quais são os sinais de alerta para diabetes em crianças que os pais devem ficar atentos? 

Dr. Crésio Alves – Os sinais de alerta são os seguintes: muita sede, ingerindo grandes quantidade de água durante o dia, sem nenhuma razão aparente; urinar em grande quantidade várias vezes ao dia; aumento exagerado do apetite; perda de peso e emagrecimento inexplicados apesar de comer em maior quantidade; inflamação ou infecção fúngica na genitália (vulvovaginite nas meninas e balanopostite nos meninos); visão turva e presença de formigas ao redor do vaso sanitário, na calcinha ou cueca da criança, por elas serem atraídas pelo excesso de açúcar eliminado pela urina.

SBP Notícias – Como a educação e a conscientização sobre alimentação saudável nas escolas podem contribuir para a prevenção da diabetes? 

Dr. Crésio Alves – Muitas crianças e adolescentes fazem pelo menos uma grande refeição e um ou mais lanches na escola. Sendo assim, é fundamental que os donos de escolas privadas e os gestores da educação pública se comprometam a implementar uma alimentação saudável no ambiente escolar, evitando refrigerantes, embutidos e outros alimentos ultraprocessados.

SBP Notícias – Existe algum estudo que aponte o número da prevalência do diabetes em crianças e adolescentes no Brasil e no mundo? 

Dr. Crésio Alves – Até 2035, a Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo terão diabetes. Em números absolutos, no mundo, o Brasil ocupa o 4º lugar em número de pessoas com diabetes, só perdendo para China (92,3 milhões), Índia (63 milhões) e Estados Unidos (26,4 milhões). Em relação ao diabetes mellitus tipo 1 (DM1), o tipo mais frequente em crianças e adolescentes, a 10ª edição do Atlas da Federação Internacional de Diabetes (2021), mostra que, na faixa etária de 0 a 19 anos, 1.211.900 crianças e adolescentes têm DM1, com uma incidência de 149.500 novos casos a cada ano. No Brasil, 92.300 crianças e adolescentes têm DM1 fazendo com que o Brasil ocupe o 3º lugar em número de crianças e adolescentes com DM1 no mundo, ficando atrás apenas da Índia (229.400) e Estados Unidos (157.900). Em relação à incidência na faixa etária de 0 a 19 anos, o Brasil também fica em 3º lugar, com 8.900 novos casos por ano. Tendo em vista as diferenças regionais, estaduais e municipais na qualidade da assistência à pessoa com diabetes, é fundamental que a comunidade médica e sociedade civil pressionem os governos no sentido de reforçar as políticas públicas de saúde relacionadas ao diabetes para que esses indivíduos sejam adequadamente e gratuitamente tratados, em qualquer região ou cidade do Brasil.

SBP Notícias – Em diabetes, a linguagem importa?

Dr. Crésio Alves – Importa e muito! Há vários anos, tem-se procurado conscientizar a mídia e os profissionais sobre o uso de uma linguagem inclusiva e não discriminatória em relação às pessoas com diabetes, por exemplo, não chamar a pessoa com diabetes de “diabético” ou “que sofre de diabetes” ou ainda “portador de diabetes”. Esses termos quase sempre usados de forma não reflexiva, reduzem a pessoa com diabetes a sua condição médica, enquanto na verdade ela, como qualquer outra pessoa, é muito mais do que sua dimensão biológica.

SBP Notícias – Diabetes tem cura? A pessoa com diabetes pode ter uma vida normal?

Dr. Crésio Alves – No momento, ainda não existe cura para o diabetes mellitus tipo 1, que é o mais frequente em crianças e adolescentes. No entanto, o tratamento atualmente existente permite uma vida normal, não impedindo a criança ou o adolescente de crescer, se desenvolver, brincar, praticar esportes, estudar, se formar, namorar, casar e ter filhos. O importante é se cuidar e se manter saudável, por meio da terapia atualmente disponível, para que se a cura do diabetes chegar em tempo próximo, a pessoa esteja com ótima saúde para se beneficiar dela.