“Defendemos que a tabela de acompanhamento organizada pela SBP e que consta no Rol da ANS seja aplicada também no SUS”
O aprimoramento da formação profissional e o reconhecimento da importância da puericultura pela medicina suplementar apontam novos e promissores caminhos para a pediatria. Com o envolvimento de todos, as conquistas poderão chegar a cada criança, afirma Eduardo da Silva Vaz, presidente da SBP. Leia, a seguir.
Como o senhor define o atual momento da pediatria?
Eduardo Vaz: Muito bom, principalmente por causa da implantação da residência de três anos, com a atualização do conteúdo do currículo – uma reivindicação da Sociedade de quase 10 anos, que trará mais qualidade para o atendimento da criança e em muito valorizará a profissão. A aprovação pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) ocorreu ano passado, quando conseguimos autorização para que o novo programa fosse implantado em 10 instituições. Ocorreram alguns problemas operacionais e cinco, de fato, deram início à nova formação. Mas, este ano, foram incluídos mais alguns, de modo que em 2015 serão, ao todo, 11. Isso fará com que o pediatra, muito mais qualificado, tenha também mais segurança para atender as novas demandas da pediatria, que sabemos são muitas e desafiadoras.
Gostaria de explicitar isso?
O Brasil está passando por uma transição epidemiológica muito importante. No passado, quando nos formamos, a mortalidade infantil era alta, tínhamos muitas doenças infectocontagiosas, diarreia, desnutrição. Hoje o distúrbio nutricional mais importante é a obesidade, o país vive uma crise em que 30% da mortalidade é por doença cardiovascular – que sabemos, se origina na infância, assim como o sobrepeso, a diabetes. Assim, precisamos fazer a prevenção das doenças crônicas não transmissíveis, realizar uma puericultura casa vez mais completa e até a adolescência, assistir os pacientes para que tenham saúde mental, lidar com problemas psiquiátricos, psicológicos, dentre outros. Evidentemente, não deixaremos de enfrentar doenças que caracterizam mais o passado.
As infecciosas, por exemplo?
Sim, quando achávamos que estava tudo sob controle, surge a AIDS. Agora, quando pelo menos esses pacientes sobrevivem, chega a epidemia do ebola, devastando a África, preocupando o mundo. Há relatos de que a doença, que tem uma mortalidade tão alta, veio para ficar. A transmissão se dá por contato com a secreção, com alimentos e utensílios contaminados, porém, na medida em que o vírus se dissemina, o risco é o de que ele possa ser transmitido de outras formas. Acredito que as doenças infecciosas nunca vão nos abandonar, até por causa das disparidades econômicas e sociais. No caso do Brasil, convivemos com três agravos epidemiológicos principais – as doenças crônicas não transmissíveis, capitaneadas pela vascular; as infectocontagiosas e as mortes por causas externas, com a violência e os acidentes. Nosso país, infelizmente, está entre os campeões em mortes por trauma e homicídio, morrem mais jovens aqui do que em muitos países em guerra. Também nos preocupam o bullying e o alarmante índice de suicídios na juventude.
Quais são os dados?
Anualmente, entre os que têm entre 15 e 24 anos, o índice de suicídio é de 4,5 por 100 mil. É uma situação com a qual o médico da criança e do adolescente precisa conviver e lidar com tratamentos que, em sua maioria, são multiprofissionais. Mas é certo que o pediatra hoje precisa de um programa de formação muito mais consistente e, por isso, um treinamento em serviço mais prolongado, como já ocorre no resto do mundo há algum tempo.
A uniformização facilitará o intercâmbio?
Sim. Na América do Sul, o Brasil era o único que ainda tinha um programa de Residência em Pediatria de dois anos. Nos demais já eram três e na Argentina são quatro. Na Europa e nos EUA, o tempo varia de três a cinco anos, o que demonstra que a formação na medicina da criança e do adolescente tem uma complexidade grande. É preciso adquirir habilidades, amplos conhecimentos e atitudes. Com esse novo programa, o pediatra poderá resolver quase 90% das patologias e, quando não puder, fará o encaminhamento para um especialista que, mesmo à distância, com as facilidades das novas tecnologias, poderá acompanhar a criança. Com o currículo equitativo com outros países, o pediatra brasileiro não ficará em desvantagem, isso facilitará o intercâmbio profissional. Está aí também a importância de nossa participação no Global Pediatric Education Consortium (GPEC), que é a aliança mundial em educação pediátrica.
Há um projeto da SBP para proporcionar estágios fora do Brasil. Como é isso?
A SBP se aproximou de um dos maiores hospitais pediátricos dos EUA, o da Filadélfia. Estamos negociando para que seja possível encaminhar residentes do Brasil para estágios lá, de maneira que possam conhecer como funciona o serviço, que é um grande centro de formação.
Isso está bem adiantado e pretendemos premiar com a possibilidade os residentes desses novos programas de três anos, até porque é preciso avaliá-los e isso está sendo preparado pela Comissão do TEP, a CEXTEP, que cuida do Título de Especialista em Pediatria, juntamente com os preceptores desse novo programa de residência médica. A prova será realizada ao final do primeiro, no segundo e do terceiro ano. Os que tiverem um bom resultado, no término da residência já terão direito também ao título de especialista emitido pela SBP e pela AMB, com a chancela do GPEC, sem necessidade de novo concurso.
Em termos de remuneração, uma das grandes e recentes conquistas foi a inclusão do Atendimento de Puericultura no Rol da ANS. Pode falar sobre isso?
Primeiramente, a SBP conseguiu, com apoio da AMB, a inclusão na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), depois foi a vez do Rol da ANS. Houve um entendimento de que o acompanhamento do desenvolvimento de uma criança, com a promoção de todos os cuidados necessários até o final da adolescência, envolve várias ações, é diferente da consulta curativa. A pediatria, se não necessita de muita tecnologia, exige muitos conhecimentos científicos. Além do mais, trata-se de um atendimento que precisa de tempo para ser feito. Na verdade, a puericultura já era exercida pelos pediatras, mas sem remuneração, o que significava desestímulo e dificuldade de manutenção dos consultórios abertos. Foi depois de muita luta que conseguimos que, a partir de janeiro deste ano, o pagamento pelos planos de saúde seja obrigatório. Há 15 anos começamos a discutir essa questão de uma remuneração diferenciada para o atendimento em puericultura. O fato das vagas para residência estarem todas preenchidas atualmente é um sinal da mudança que começamos a ver desde 2005, com o retorno da procura pela especialidade.
Como está a implantação?
O procedimento de Puericultura já está sendo praticado em muitos estados, onde as lideranças se uniram e conseguiram avanços. Mas só será implantado em sua totalidade com o envolvimento do conjunto dos pediatras. Temos tido dificuldades na Região Sudeste, talvez pelo grande número de médicos, pela falta de contato entre eles. Também devemos estar atentos para o fato de que o Rol da ANS não estabelece valores, porém, a referência é a CBHPM, onde o porte do Atendimento de Puericultura equivale ao dobro da consulta e, independente do fato de termos realidades diferentes nas várias regiões, esse é o parâmetros que devemos perseguir. A SBP, com sua diretoria de Defesa Profissional, tem trabalhado muito, apoiado os que solicitam. Mas é preciso empenho de todas as filiadas, de Comitês municipais, a mobilização de todos os colegas para fazer valer essa conquista tão fundamental.
Como o sr. avalia hoje o atendimento de crianças e adolescentes?
Não conheço todos os lugares, mas a maioria das crianças ainda tem pouco acesso ao pediatra, mesmo nos grandes centros. Em muitos locais, estão sendo atendidas por outros profissionais e apenas são encaminhadas a médicos quando é identificada gravidade na situação. Isso é muito sério. Sabemos que os primeiros anos de vida são cruciais, que quanto mais precoces e qualificadas as intervenções, melhores os resultados. Dados alarmantes mostram que quase seis milhões de crianças no Brasil têm dificuldades de desenvolvimento aos cinco anos e, entre outras consequências, poderão ter problemas cognitivos, comportamentais, limitações sérias na vida adulta. Defendemos que a tabela de acompanhamento organizada pela SBP e que consta no Rol da ANS seja aplicada também integralmente no SUS. É preciso que todas as crianças sejam acompanhadas e tenham o seu desenvolvimento promovido. Vimos trabalhando para que as políticas públicas garantam mais atenção, qualidade de vida para a infância e a adolescência.
PED CAST SBP | "Neuroblastoma"
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