Entrevista: James Heckman
O prêmio Nobel de Economia explica por que deixar de fornecer estímulos às crianças nos primeiros anos
de vida custa caro para elas – e para um país
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Monica Weinberg
“Tentar sedimentar num
adolescente o conhecimento
que deveria ter sido apresentado
a ele dez anos antes custa
mais e é menos eficiente”
Ao economista americano James Heckman, 65 anos, deve-se a criação de uma série de métodos precisos para avaliar o sucesso de programas sociais e de educação – trabalho pelo qual recebeu o Prêmio Nobel, em 2000. Nessa data, Heckman estava no Rio de Janeiro, numa das dezenas de visitas que já fez ao Brasil. Achou que fosse trote quando lhe disseram da premiação. Formado por Princeton e há 36 anos professor da Universidade de Chicago, Heckman se dedica atualmente a estudar os efeitos dos estímulos educacionais oferecidos às crianças nos primeiros anos de vida – na escola e na própria família. Sua conclusão: “Quanto antes os estímulos vierem, mais chances a criança terá de se tornar um adulto bem-sucedido”.
Em seus estudos, o senhor conclui que não há política pública mais eficaz do que investir na educação de crianças nos primeiros anos de vida. Por quê?
A razão é econômica. A educação é crucial para o avanço de um país – e, quanto antes chegar às pessoas, maior será o seu efeito e mais barato ela custará. Basta dizer que tentar sedimentar num adolescente o tipo de conhecimento que deveria ter sido apresentado a ele dez anos antes sai algo como 60% mais caro. Pior ainda: nem sempre o aprendizado tardio é tão eficiente. Não me refiro aqui apenas às habilidades cognitivas convencionais, mas a um conjunto de capacidades que deveriam ser lapidadas em todas as crianças desde os 3, 4 anos de vida.
O senhor poderia ser mais específico em relação a essas habilidades?
Há evidências científicas de que dois tipos de habilidade têm enorme influência sobre o sucesso de uma pessoa na vida. No primeiro grupo, situam-se as capacidades cognitivas – aquelas relacionadas ao QI. Por capacidades cognitivas entenda-se algo abrangente, como conseguir enxergar o mundo de forma mais abstrata e lógica. Num outro grupo, igualmente relevante, coloco as habilidades não cognitivas, relacionadas ao autocontrole, à motivação e ao comportamento social. Essas também devem ser estimuladas no começo da vida. Embora sejam cientificamente menosprezadas por muitos, descobri que elas estão diretamente relacionadas ao sucesso na escola – e, mais tarde, no próprio mercado de trabalho.
É realmente possível estimular esse tipo de habilidade?
Sem dúvida. Obviamente, há diferenças entre as pessoas, e estamos falando de capacidades muito relacionadas a personalidade e temperamento. Mas elas podem – e devem – ser melhoradas desde bem cedo. Defendo isso por uma razão: mesmo quando as intervenções em crianças pequenas não têm impacto sobre o QI, elas costumam trazer ótimo resultado sobre as capacidades não cognitivas. Muitos especialistas tendem a reduzir tudo ao QI, que é, logicamente, primordial para prosperar numa sociedade moderna. Hoje, no entanto, não se vai muito longe sem aquilo que poderíamos chamar de traquejo social, ou a capacidade de manter o controle diante de situações adversas. Isso pode ser desenvolvido. E, quanto mais cedo, melhor.
O que falta é investir mais na pré-escola?
Também. As escolas têm um papel fundamental, especialmente quanto ao desenvolvimento das habilidades cognitivas. Mas enfatizo ainda a relevância dos programas sociais que tenham foco nas famílias, de modo que elas consigam fornecer os incentivos certos num momento-chave. Iniciativas mínimas têm altíssimo impacto, como o hábito de conversar com os filhos ou emprestar-lhes um livro. Só que alguns pais precisam ser orientados a fazer isso, daí a necessidade de programas específicos. Não afirmo isso por bom-mocismo ou ideologia, mas com base em evidências. Elas indicam que qualquer tipo de intervenção que consiga despertar o interesse dos pais e fazê-los estimular, desde cedo, o aprendizado cognitivo e emocional dos filhos tem excelente custo-benefício. Infelizmente, governos no mundo inteiro ainda não se renderam ao que a ciência já sabe.
O senhor pode dar um exemplo do tipo de intervenção que funciona com as famílias?
Os estudos confirmam que um programa americano da década de 60, o Perry, amplamente copiado por outros países, tem ótimo retorno. Ele consiste, basicamente, em colocar crianças pobres na escola, em salas com poucos alunos, e envolver os pais no processo educativo. O professor visita as famílias para informar o que está sendo ensinado na aula, de modo que passem a participar mais ativamente. Sem esse amparo dos pais, dificilmente uma criança vai ter motivação para aprender, o que tende a se perpetuar no curso da vida escolar e resultar em adultos sem sucesso. Está provado que a família é o fator isolado que mais explica as desigualdades numa sociedade como a brasileira. Sob esse prisma, uma criança do Nordeste começa a vida em franca desvantagem em relação a uma do Sudeste. Com programas como esses, a ideia é tentar atenuar as diferenças no ponto de partida.
O que alguém que não desenvolve as principais habilidades nos primeiros anos de vida deve esperar?
Ela terá, certamente, mais dificuldade de assimilar tais conhecimentos. Os números são espantosos. Uma criança de 8 anos que recebeu estímulos cognitivos aos 3 conta com um vocabulário de cerca de 12 000 palavras – o triplo do de um aluno sem a mesma base precoce. E a tendência é que essa diferença se agrave. Faz sentido. Como esperar que alguém que domine tão poucas palavras consiga aprender as estruturas mais complexas de uma língua, necessárias para o aprendizado de qualquer disciplina? Por isso as lacunas da primeira infância atrapalham tanto. Sempre as comparo aos alicerces de um prédio. Se a base for ruim, o edifício desmoronará.
O senhor parece fatalista.
Não sou. Acho uma bobagem o que pregam os cientistas que até hoje defendem a tese das janelas de oportunidade. Segundo essa teoria, existe um único momento na vida para aprender cada coisa. Ao contrário desses colegas, vejo o aprendizado como um processo bem mais flexível. É verdade que, por volta dos 10 anos, como mostram os estudos científicos, as habilidades cognitivas já estão cristalizadas e se torna bem mais difícil desenvolvê-las. Mas não é impossível. A questão central é que isso demandará mais tempo, custará mais caro e não necessariamente produzirá os mesmos resultados.
Por que é tão mais caro para uma sociedade educar suas crianças depois que elas já passaram pelos primeiros anos de vida?
Isso ocorre porque é mais lento aprender toda uma gama de coisas depois da primeira infância e também porque a ausência dos incentivos corretos nessa fase da vida está associada a diversos indicadores ruins. Entre eles, evasão escolar, gravidez na adolescência, criminalidade e até os índices de tabagismo – sempre mais altos em sociedades incapazes de fornecer às suas crianças uma educação apropriada nos primeiros anos de vida. É claro que a falta de incentivos numa única fase da vida não explica 100% da ocorrência desses problemas, mas diria que o peso é grande. E isso tem seu preço. A criminalidade, por exemplo, pode ser reduzida, basicamente, de duas maneiras: investindo cedo em educação ou reforçando o policiamento nas ruas. Calculo que a opção pelo ensino custe algo como um décimo do gasto com segurança. Os Estados Unidos gastam trilhões de dólares a mais por ano só porque não entenderam isso.
“A ausência de bons incentivos na primeira infância está associada a uma série de indicadores ruins, como evasão escolar e gravidez na adolescência. Isso representa um custo enorme às sociedades”
Se há tanta clareza sobre os benefícios de programas que mirem os primeiros anos de vida de uma criança, por que os governos ainda resistem a essa ideia?
Há, sem dúvida nenhuma, alguma ignorância sobre o que a ciência já desvendou – mas isso é só uma parte do problema. A outra diz respeito a uma questão mais política. Para investir em programas com o objetivo de intervir nas famílias, é preciso, antes de tudo, reconhecer que há algo de errado com elas. Um ônus com o qual os políticos não querem arcar. Eles passam ao largo dos fatos e, pior ainda, divulgam uma imagem mistificada. Nessa visão ingênua, a família é uma unidade inabalável, que invariavelmente proporciona às crianças bem-estar. Além de não corresponder à realidade, essa imagem idílica só atrapalha, uma vez que ofusca o problema. Mais de 10% das crianças americanas são indesejadas, e muitas dessas jamais chegam a conhecer seus pais. Que tipo de incentivo para aprender se pode esperar numa situação dessas?
Um colega seu na Universidade de Chicago, o economista Steven Levitt, apresenta em seu livro Freakonomics uma opinião diferente da sua sobre a influência da família na vida dos filhos.
Levitt descambou para a simplificação absoluta de questões complexas, perigo eterno no meio acadêmico, sobretudo entre os economistas. Tendo bons números na mão, é sempre possível construir argumentos persuasivos, ainda que não passem de ciência social ruim. Uma das maiores bobagens de Levitt é justamente partir do pressuposto de que, se uma criança nasce em desvantagem, numa família que não lhe fornece nenhuma espécie de incentivo, não há nada a ser feito em relação a isso. Eu estou convicto do contrário. Só que é preciso começar cedo.
O Brasil investe sete vezes mais dinheiro no ensino superior do que na educação básica. O senhor considera essa uma inversão de prioridades?
Todo país precisa de boas universidades para formar cérebros e se tornar produtivo. É básico. Mas um país como o Brasil só conseguirá realmente alcançar altos índices de produtividade quando entender que é necessário mirar nos anos iniciais. Eles são decisivos para moldar habilidades que servirão de base para que outras surjam – um ciclo virtuoso do qual resulta gente preparada para produzir riquezas para si mesma e para seus países. Os governos, no entanto, têm se mostrado bastante ineficazes ao proporcionar esse ciclo.
Os educadores costumam dar muita ênfase à falta de dinheiro para a educação. Esse é realmente o problema fundamental?
O problema existe, mas não é o principal. O que realmente atrapalha nessa área é a péssima gestão do dinheiro. Se os governantes fossem um pouco mais eficazes, conseguiriam colher resultados infinitamente melhores. Em primeiro lugar, deveriam passar a tomar suas decisões com base na ciência, e não em critérios políticos ou ideológicos, como é mais comum. Veja o que aconteceu no caso da pesquisa com as células-tronco. Apesar de todas as evidências de que poderiam ser cruciais para curar doenças, deixamos de estudá-las durante oito anos nos Estados Unidos – isso por razões políticas. Um exemplo de obscurantismo em pleno século XXI. Na educação, há sempre a tentação de reduzir a discussão à luta do capitalismo contra o marxismo, da direita contra a esquerda ou de antissindicalistas contra sindicalizados. Meu esforço é justamente para trazer o debate a bases objetivas – e econômicas.
“Na educação, há sempre a tentação de reduzir tudo à luta do capitalismo contra o marxismo. Um país ganha muito quando retira o debate do terreno político e o põe sobre bases científicas e econômicas”
O que está comprovado sobre os benefícios da educação para um país?
Cada dólar gasto na educação de uma pessoa significa que ela produzirá algo como 10 centavos a mais por ano ao longo de toda a sua vida. Não há investimento melhor. A ideia é fornecer incentivos suficientes para que o talento atinja sempre o maior nível possível. Só com gente assim a Irlanda, por exemplo, conseguiu tirar proveito das oportunidades que surgiram depois que o país se integrou à economia mundial. É também o que ajuda a explicar o acelerado enriquecimento da Coreia do Sul nas últimas décadas. Nesse cenário, não há melhor aplicação do que canalizar o dinheiro para a formação de crianças em seus primeiros anos de vida. Insisto nisso porque são os países que já estão nesse caminho justamente os que se tornam mais competitivos – e despontaram na economia mundial.
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