Brasília, quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Dioclécio Campos Júnior
Médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
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As primeiras observações relativas à saúde da criança são antigas. Foram feitas em 1722 por Théodore Zwinger, professor de medicina da Basiléia. Ele observou que as doenças conhecidas à época manifestavam-se de forma diferente quando atingiam o organismo da criança. Cunhou a palavra pediatria e fez surgir um campo de pesquisa responsável por incessantes descobertas. A evolução científica nascida naquele momento mudou conceitos e desarmou preconceitos. Demonstrou que criança não é miniatura do adulto, como se pensava até então.
Hoje, sabe-se que a diferença constatada pelo médico suíço não se dá por acaso. Infância e adolescência compõem o ciclo de vida decisivo para o ser humano. Constituem o único período marcado pelos fenômenos do crescimento físico e da diferenciação neuropsicomotora, ambos intensos nas duas primeiras décadas de vida. A condição de adulto saudável depende de cuidados qualificados na fase em que se moldam estruturas orgânicas e se articulam interações que alicerçam personalidades. Graças ao acúmulo de evidências objetivas, a sociedade despertou para a originalidade da infância, a complexidade da adolescência e a especificidade da proteção que demandam. Um dos resultados foi o reconhecimento de que a criança não é objeto, mas sujeito de direitos.
Na Roma antiga, infantia significava incapacidade de falar. Um conceito infundado. Toda criança sempre falou, embora em linguagem que o adulto não quer entender. A ciência funciona como intérprete do discurso infantil. Ajuda a lançar as bases sólidas dos direitos que começam a ser assegurados aos incapazes de falar. Foi assim que o Brasil deu à luz, há 18 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente. A norma jurídica que define a prioridade desse grupo etário para o investimento dos recursos disponíveis, preceito que os governantes descumprem impunemente.
À luz dos conhecimentos científicos acumulados, revela-se o direito de crianças e adolescentes à melhor assistência à saúde de seu tempo. É o avanço capaz de garantir a expansão plena de potencialidades genéticas, em estreita interface com fatores do meio ambiente. Por isso, não se pode relegar a segundo plano a qualidade dos cuidados a parcela tão complexa e expressiva da população. Não se pode entregar a saúde da infância e da adolescência a mãos despreparadas para entendê-la na dimensão que a distingue da saúde das demais faixas etárias.
Os gestores públicos menosprezam a criança e o adolescente. Não projetam estratégias para contingente populacional eivado de tantas singularidades. Preferem diluí-lo nas generalidades em que são discriminados os filhos da pobreza, aos quais reservam assistência médica simplificada, feita por qualquer profissional, distante do padrão a que têm direito. Basta parafrasear Rui Barbosa para mostrar a injustiça cometida: “Tratar com desigualdade a iguais — todas as crianças —, ou com igualdade a desiguais — adultos e crianças —, é desigualdade flagrante, e não igualdade real”.
O Brasil tem tradição de qualidade no atendimento pediátrico. Sempre formou excelentes pediatras. Não estão em falta, exceto no serviço público, onde não há lugar para sua atuação especializada. Os gestores sabem disso. Mas, não abrem mão de procurá-los para cuidarem de seus filhos. Não acreditam no nível da assistência que destinam às crianças deserdadas, porque exclui a pediatria. Desrespeitam o princípio constitucional da igualdade. Defendem um modelo de atendimento para cidadãos de segunda classe — o SUS — e correm atrás de um bom plano de saúde, criado para os de primeira classe. Aprofundam o fosso entre ricos e pobres. A prole dos primeiros tem garantida a plenitude do crescimento e desenvolvimento. A dos segundos sobrevive na rota do descaso.
Exemplo da violação de direito é o Programa de Saúde da Família, estratégia concebida para assistir a população carente. Pelos números oficiais, o PSF cobre mais de 120 milhões de habitantes. Porém, não há pediatras na sua linha de frente nem na retaguarda. É o médico de família, sem formação pediátrica, que atende de recém-nascidos a idosos. Crianças e adolescentes somam cerca de 50% dessa população. Mais de 60 milhões deles fica sem direito aos cuidados médicos apropriados à sua idade. Não são assistidos por pediatras.
Se o direito ao atendimento pediátrico não for assegurado a todas as crianças e adolescentes do país, a injustiça continuará a corroer o fundamento das políticas públicas. O SUS será, na verdade, um Sistema Ultrapassado de Saúde.
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