O valor econômico da criança

                                                                                                          18 janeiro de 2008 – nº19   Dioclécio Campos Júnior – Médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria [email protected] A população que não se renova desaparece. É o postulado elementar da demografia. Não  há exceção. Se a sociedade deixa de renascer, a vida fenece e a morte prevalece. Sem  criança, encerra-se …

                                                                                                          18 janeiro de 2008 – nº19

 

Dioclécio Campos Júnior – Médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
[email protected]

A população que não se renova desaparece. É o postulado elementar da demografia. Não  há exceção. Se a sociedade deixa de renascer, a vida fenece e a morte prevalece. Sem  criança, encerra-se o ciclo vital. Não há economia que resista. Nem ideal que se sustente.

O Brasil ingressa na turbulência demográfica que abala os países desenvolvidos. A taxa  média de fertilidade, isto é, o número de filhos por família, declinou entre nós desde os anos  1970. Em 2007, atingiu a média nacional de 1,8, bem próxima à dos europeus. Claro que há  regiões onde é mais alta. Mas, mesmo aí, a tendência é declinante. Quando esse indicador cai abaixo de 2, a viabilidade econômica da sociedade fica ameaçada a médio prazo.

As crianças brasileiras são cada vez menos numerosas para gáudio da elite imediatista que não tem preocupações com o futuro. Deixando de lado o humanismo filosófico que sublima a criança e o sentimento religioso que a vê como bênção divina, razões que perdem significado, cabe analisar a infância na perspectiva do valor econômico que surge irrevogável das reflexões despertadas pelos novos tempos.

A história da civilização não pára. O dinamismo que lhe serve de combustível parece inesgotável. A era da riqueza propiciada pela revolução industrial aproxima-se do ocaso. Cede lugar à riqueza baseada na produção de conhecimento, que avança irresistível. É a força da chamada terceira onda, muito bem descrita na obra recente de Alvin Toffler, A riqueza revolucionária. Inovações tecnológicas incessantes, espaço e tempo em contínua reformulação, velocidade ilimitada de processos e sistemas, o mundo virtual em expansão, a construção de estruturas diversas fora da Terra, a memória eletrônica muito maior que a cerebral, as invenções que não têm fim. Esse, o panorama decorrente da nova riqueza, constituída por componentes progressivamente intangíveis, posto que virtuais.

Os meios de produção não são mais os mesmos da linha de montagem que simbolizou a sociedade industrial. Conta menos o trabalho braçal do proletariado e muito mais a inteligência criativa, a capacidade científica. Os hábitos e os comportamentos das pessoas e instituições mostram-se cambiantes, passam a expressar ilimitada diversidade, ao lado de dilemas éticos até então inimagináveis. É a era pós-industrial a anunciar sua chegada, sem pompa, mas com muita circunstância. Instala-se insinuante, sem aguardar o recuo final das ondas anteriores, a da agricultura e a da indústria. Convive com ambas sem confronto, segura de que não poderão mais detê-la.

A geração dessa fantástica modalidade de riqueza pressupõe fonte renovável de inteligência humana. Requer o nascimento de crianças em número suficiente para a estabilidade populacional, às quais se garanta a liberação das originalidades intelectuais potencialmente contidas em seus cérebros. As sociedades que exaurirem essa fonte somente sobreviverão na mais humilhante dependência econômica.

Nosso país não tem escolha. Ou paga o preço elevado que a criança saudável passou a ter na modernidade, ou afunda de PAC em PAC. Não basta reduzir mortalidade infantil. O investimento tem de ser muito maior. Não apenas em quantidade de crianças, mas na melhor qualidade de vida para todas as que nascerem. Sem privilégios. É o valor econômico primordial na nova era da humanidade. A nação que não o perceber mergulhará, sem volta, na periferia do mundo.

Atentos ao risco do impasse demográfico, Itália, Suíça, Alemanha, Espanha, entre outros países, estimulam as famílias a terem filhos quando se prenuncia o desaparecimento da natalidade. Criam incentivos financeiros para que a infância ressurja na sociedade. Privilegiam, com salários atraentes, os cuidados maternos ao recém-nascido. A criança tornou-se preciosidade insubstituível para manter o equilíbrio econômico. Os economistas já reconhecem que nada produz melhor repercussão para uma sociedade do que o investimento em saúde e educação na primeira infância.

As crianças não podem mais morrer. Têm de nascer sadias, crescer saudáveis, educar-se em plenitude, livres, felizes, estimuladas, respeitadas em seus direitos, acolhidas em suas diferentes habilidades. Se razões ontológicas não foram suficientes para priorizá-las no passado, a evolução econômica deu-lhes a devida importância no presente. Em breve, só as economias com boa reserva de capital humano na infância atrairão o interesse dos investidores. Doravante a criança é decisiva. Tem grande valor econômico. É o melhor investimento da sociedade.