O aumento da violência urbana e o crescimento de quase 600% nos casos de homicídio no País, nas duas últimas décadas (1980-2014), reconfiguraram a rede de profissionais que tenta frear os indicadores envolvendo crianças e adolescentes, passando a ter contribuição expressiva do pediatra.
Dados apresentados pela hebiatra da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape) e professora associada do Departamento de Pediatria da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Isabel Carmen Freitas, mostram os diversos fatores que culminam para ocorrências de violência, que acabam sendo identificadas durante a consulta clínica com o pediatra. O trabalho infanto-juvenil e crianças e adolescentes em situação de rua são algumas das causas para o cenário de violência física, emocional e sexual.
"Isso repercute hoje sobre a mortalidade das crianças e adolescentes, sendo que no estado da Bahia, de 5 a 19 anos, a violência já ultrapassa a mortalidade por acidente, representando a principal causa de mortalidade", afirma
Uma vez percebidas as suspeitas de violência, os pediatras registram os traços em uma Ficha de Notificação, o que viabiliza o encaminhamento para acolhimento com equipe multiprofissional para tratar lesões, reorganizar vínculos afetivos e prevenir novas situação de violência, destaca Isabel Freitas, que também coordena o Núcleo de Estudos em Medicina da Adolescência da Ufba e dos ambulatórios de Medicina da Adolescência do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (Complexo Hupes) e professora de Pediatria da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
Uma pesquisa censitária do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda, 2019) identificou 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua. Dessas, 59,1% dormem na casa de sua família (pais, parentes ou amigos) e trabalham na rua. A faixa etária predominante é entre 12 e 15 anos (45,13%) e sexo masculino (71,8%). Aproximadamente um terço (29,5%) delas costumam pedir dinheiro ou alimentos para sobrevivência e mais de 65% exercem algum tipo de atividade remunerada. A pobreza foi apontada como principal motivo para ida às ruas. Segundo o levantamento, 12,9% foram impedidas por algum motivo de receber atendimento na rede de saúde.
"A violência se tornou um problema de saúde pública [...] a importância do pediatra na Atenção Básica não é meramente uma defesa profissional, mas é também um ato em defesa dos direitos das crianças e adolescentes por um melhor atendimento, por necessidades em saúde mais adequadas. Para isso, o pediatra tem que melhorar sua capacitação do ponto de vista de atendimento de demandas psicossociais", pontua a hebiatra, que realizou uma apresentação sobre o tema na última sexta-feira (29 de novembro).
Durante a aula, ela expôs os diversos documentos produzidos pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) nos últimos anos que ajudam na capacitação dos pediatras, além de citar "estratégias que podem ser usadas, como a importância do lazer, do esporte, das artes, o estímulo à profissionalização regulamentada e a escola como promotora de saúde, que trabalhe na mediação e resolução de conflitos".
Ela também defendeu mudanças na história clínica, "que precisa ter uma conotação menos biologicista e mais psicossocial".
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