A atual quarentena potencializa os riscos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Esse é o alerta da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que, no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 de maio), chama a atenção das autoridades públicas e da população em geral para o número de casos de abuso ou exploração sexual contra crianças e adolescentes com até 19 anos de idade registrados no Brasil: quase 30 mil, somente em 2017 – dados mais recentes disponíveis.
O número corresponde às notificações compulsórias enviadas aos órgãos competentes sempre que um médico verifica, a partir do atendimento hospitalar, situação suspeita ou confirmada de violência. De acordo com a nota de alerta divulgada pela SBP nesta segunda-feira (18), os episódios contra a população infantojuvenil representam 75% do total de registros dessa categoria de violência no País.
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Conforme ressalta a nota, no entanto, a preocupação da entidade é que, devido à quarentena imposta pela pandemia de Covid-19, o quadro de abusos nessa faixa etária possa se agravar ainda mais. Para o presidente do Departamento Científico de Segurança da SBP, dr. Marco Antônio Chaves Gama, em função do atual isolamento social, nesse exato momento, diversas crianças e adolescentes estão confinados em casa com seus agressores, sem ter para quem pedir ajuda.
“As pesquisas demonstram que a maioria dos casos de violência sexual contra indivíduos na faixa etária pediátrica é cometida no ambiente doméstico, por pessoas do relacionamento direto da vítima, como pais, parentes e adultos próximos. Por causa da pandemia, todas as escolas estão fechadas e as consultas eletivas ao pediatra estão sendo remarcadas. Nesse cenário, a criança fica ainda mais vulnerável, porque perde todos os meios de vigilância e contato externos”, afirma ele.
SUBNOTIFICAÇÃO – Em contraponto ao aumento do número de denúncias de outras categorias de abusos e agressões – como a violência contra a mulher, que vem aumentando nos últimos meses segundo diferentes indicadores –, existe outra realidade em relação à infância e à adolescência. Diferentes Conselhos Tutelares e Delegacias do País já informam que as denúncias de violência sexual na faixa etária pediátrica foram reduzidas a cerca de um quarto em comparação aos meses anteriores à quarentena.
“Do total de casos verificados no Datasus, do Ministério da Saúde, 18,25% correspondiam a vítimas com até quatro anos de idade. Ou seja, muitas crianças sequer tem a capacidade de compreender, muito menos de denunciar, os horrores que vivenciam. No geral, a vigilância externa – dos pediatras, professores e vizinhos – é a única possibilidade de identificar sinais de violência sexual e buscar acolhimento”, pondera o dr. Marco Antônio.
Na avaliação do especialista, é fundamental que, nesse momento de isolamento social e restrição de atividades laborais, os gestores municipais e estaduais mantenham em funcionamento os serviços de atendimento e monitoramento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Os Conselhos Tutelares e serviços de assistência social devem dar seguimento às visitas domiciliares e demais serviços de acolhimento das vítimas confirmadas ou suspeitas de violência sexual.
“Não é razoável deixar essa população totalmente à deriva. As subnotificações nessa categoria já são expressivas em cenários habituais, se a atenção não for redobrada, o panorama pode piorar muito”, destaca o presidente do DC de Segurança da SBP.
PAPEL DO PEDIATRA – Nesse contexto, os pediatras também têm função crucial, uma vez que, em casos de ferimentos graves, fatalmente a vítima será levada para uma unidade de saúde a fim de receber atendimento médico. Os especialistas devem permanecer em alerta para identificar potenciais sinais e indícios de violência, como: lesões físicas ou cicatrizes indicativas de violência; diagnóstico de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST); mudança brusca de comportamento; atitudes violentas; o medo específico por uma pessoa, em especial nas crianças menores; e outras.
Segundo ressalta o dr. Marco Antônio, não basta que o pediatra denuncie ou notifique a violência aos meios legais, pois nenhum dos órgãos garantirá a segurança da criança ou adolescente sem um diagnóstico claro da violência. A elaboração do laudo com a constatação da violência é uma atribuição do profissional de saúde em parceria com psicólogo ou psiquiatra pediátrico.
MUNDO VIRTUAL – A nota de alerta da SBP destaca ainda outro importante viés da violência sexual: os perigos advindos do mundo virtual. O último relatório do Disque 100, canal de denúncia mantido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, registrou 17.093 denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes em 2018. Desse total, 14,5% corresponderam a abusos associados às tecnologias digitais, como disseminação de pornografia infantil, Grooming e Sexting.
Para o dr. Marco Antônio, o período de quarentena também potencializa a irritabilidade e impaciência dos adultos. Por isso, muitos pais – às vezes sobrecarregados em função do trabalho – encontram nas telas uma saída para entreter os filhos. “Crianças na internet com menos supervisão. Esse é o cenário perfeito para pessoas mal-intencionadas. A indicação é que os pais verifiquem todo o conteúdo acessado pelos filhos e conheçam todas as pessoas com quem eles conversam”, disse.
Qualquer denúncia de violência sexual contra crianças e adolescentes pode ocorrer por meio da discagem direta e gratuita do número 100 (Dique 100) ou envio de mensagem para o e-mail [email protected]. Além disso, há também a possibilidade de comunicar um caso diretamente ao órgão competente mais próximo, entre eles, Conselho Tutelar, Polícias Civil e Militar e Ministério Público.
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