A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) encaminhou ofícios à Secretaria de Estado da Saúde de Goiás e à Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia onde solicita o máximo empenho dos gestores públicos para a solução da crise estrutural na assistência à população de crianças e de adolescentes. Nos documentos, a presidente da SBP, dra. Luciana Rodrigues Silva, indicou a necessidade de medidas a médio e longo prazo para solucionar o déficit estrutural na Atenção Secundária e Terciária, além de reforçar que a SBP acompanha com atenção as ações tomadas em caráter emergencial para atenuar o problema.
“A população pediátrica precisa ter acesso a atendimento adequado e com qualidade. Para tanto, os médicos pediatras, assim como os outros profissionais da saúde, precisam contar com todo o suporte necessário para o cumprimento de seu papel nas etapas da promoção da saúde, prevenção de doenças e oferta de cuidados integrais, em especial na atenção básica e nos serviços de urgência e emergência”, ressaltou ela.
De forma complementar, dra. Luciana Rodrigues Silva defendeu que a contratação de novos profissionais seja acompanhada das devidas garantias trabalhistas e de remuneração justa, o que contribui para sua fixação na rede pública. Preocupada com os desdobramentos do quadro, a presidente da SBP fez ainda uma alerta: “os pediatras não aceitarão que seja feita a transferência de responsabilidade pelos problemas existentes para seus ombros”.
REPERCUSSÃO - A precariedade dos serviços públicos de pediatria de Goiás ganhou repercussão nacional após a morte de um menino de cinco anos, atendido em uma das cadeiras do Hospital Materno Infantil (HMI), em Goiânia (GO). O paciente chegou a receber o tratamento prescrito pelos médicos, mas não pôde ser internado em um leito pediátrico devido à superlotação da unidade.
De acordo com a presidente da Sociedade Goiana de Pediatria (SGP), dra. Marise Tófoli, as dificuldades de atendimento encontrada pelo paciente e sua família evidenciam uma crise crônica que afeta todo o sistema público de assistência pediátrica do Estado.
Entre os principais problemas, se destacam a precariedade da atual infraestrutura do Município de Goiânia, a demanda excessiva de pacientes nos níveis de Atenção Secundária e Terciária, além do déficit no número de profissionais nas urgências e emergências da Atenção Primária.
“Não há pediatras suficientes nos prontos-socorros justamente porque não existe nenhuma proposta de contratação adequada, que garanta direitos básicos como 13º salário e férias. Nas últimas vezes em que foram oferecidas vagas, foi aberto credenciamento que não citava sequer o período mínimo de contratação. Ou seja, nenhuma estabilidade e garantia para os pediatras, que, consequentemente, não demonstraram interesse pelas vagas”, explicou dra. Marise Tófoli.
MEDIDA EMERGENCIAL – No dia 3 de abril (quarta-feira), a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia publicou edital para credenciamento de novos pediatras. A diretoria de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) já está analisando o documento para verificar se a proposta assegura condições adequadas de atuação e direitos trabalhistas.
“Não pode ocorrer uma transferência de responsabilidade da falta de assistência protagonizada por sucessivos governos para os pediatras. O pediatra logicamente só vai comparecer ao processo de credenciamento se existirem garantias mínimas de trabalho. Inclusive, caso ocorram efetivamente as contratações, a SGP com apoio da SBP está disposta a auxiliar no treinamento dos profissionais em cursos sobre urgências e emergências”, salientou a presidente da Sociedade Goiana.
Por sua vez, o Governo do Estado anunciou a abertura de dez leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs) e 39 leitos de enfermaria pediátrica em outro hospital da rede estadual, a partir de 12 de abril. A medida anunciada deve amenizar a crise aparente. Entretanto, a médio e longo prazo se faz necessária a construção de um novo hospital de grande porte, afirmam as lideranças.
“As instalações do Hospital Materno Infantil não permitem por exemplo que a unidade tenha equipamentos como tomógrafos, pois não há espaço físico. Esses exames precisam ser sempre realizados em outros centros médicos. É prioritário que haja um novo hospital com foco no atendimento integral de crianças e adolescentes e que contemple a pediatria em todas as suas especialidades”, explicou.
Para a especialista, a falta de recursos materiais e difíceis condições de atendimento também contribuem para afastar os especialistas desses serviços. Diversos relatos de profissionais denunciam a recorrência na falta de medicamentos, de exames complementares e até mesmo de segurança no local de trabalho.
PUERICULTURA - Além disso, a ineficiência dos gestores públicos em orientar a população sobre a importância do atendimento ambulatorial – onde existem muitas vagas disponíveis para os pacientes–, tem sobrecarregado os serviços de referência do Estado.
“É preciso que sejam promovidas ações e campanhas orientando pais e responsáveis sobre a necessidade da puericultura. O acompanhamento regular da criança e a adoção de medidas preventivas são fundamentais para que o paciente não chegue à assistência emergencial. Uma boa frequência às consultas incide diretamente em menos doenças”.
LEITOS DISPONÍVEIS – Sobre a suposta diminuição de leitos, dra. Marise Tófoli questionou a afirmação, uma vez que os números indicam apenas as vagas estabelecidas pelas normas de regulamentação do Ministério da Saúde e na maioria das vezes os dados não correspondem à realidade.
“Os hospitais públicos recebem subsídio do Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com o número de leitos existentes na unidade, sendo que são contabilizados apenas aqueles em consonância com as regras da normativa. A norma indica número mínimo de metros quadrados por leito, de enfermeiros e outras exigências. Na prática diária – em especial no Hospital Materno Infantil, onde as instalações são antigas – o número de leitos operacionalizados aos pacientes é maior do que o oficial”, explicou.
Para ela, o problema está diretamente relacionado à grande demanda de pacientes, que excede a capacidade oficial e operacional de vagas. Devido à premissa institucional do Hospital Materno Infantil de nunca negar atendimento, a unidade acaba por concentrar muitas internações, mesmo quando não há mais leitos disponíveis.
PRÓXIMOS PASSOS – Em 4 de abril (quinta-feira), a presidente da SGP participou de reunião com os promotores do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público de Goiás, Karina D'Abruzzo e Vinícius Jacarandá, para apresentar uma avaliação das principais falhas do sistema de saúde e, em parceria com o Ministério Público, cobrar uma atuação mais efetiva dos gestores executivos.
Na reunião, ficou acordado que a SGP solicitará à Secretaria Municipal de Saúde um parecer técnico sobre os contratos para admissão de pediatras. Um dos objetivos é averiguar porque a oferta de vagas é sempre realizada por sistema de credenciamento e não há contratação de celetistas.
De modo complementar, dra. Marise ressaltou a importância de acontecerem mudanças em todos os níveis de assistência, em especial o reforço à necessidade das consultas ambulatoriais para desafogar os prontos-socorros.
“A falha está presente na rede pública de forma sistêmica. Se no ambulatório não for realizado o trabalho de prevenção e nas emergências o atendimento, o hospital de referência ficará sobrecarregado e mais mortes acontecerão. Será que é coerente penalizar apenas uma equipe, sendo que o mau funcionamento do serviço é resultado de diversos erros do sistema? Uma mudança nesse cenário depende prioritariamente da integração dos três níveis de governo e do compromisso de cada gestor com sua parcela de responsabilidade”, concluiu.
REPERCUSSÃO
O POPULAR - Rede de pediatria vive declínio em Goiás
Rede de pediatria vive declínio em Goiás - Jornal O Popular
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