Pediatras querem mudança em Guia Alimentar que recomenda leite de vaca integral para bebês


Uma orientação que consta do Guia de Alimentação do Ministério da Saúde, lançado em novembro de 2019, está sendo questionada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Nesta sexta-feira (22), a entidade que representa cerca de 35 mil especialistas encaminhou ofício ao ministro Luiz Henrique Mandetta no qual afirma que a introdução do leite de vaca na dieta de bebês a partir de quatro meses pode resultar em complicações, comprometendo o crescimento e o desenvolvimento dessas crianças. Também questiona a pasta sobre a falta de indicação para que as famílias busquem na consulta pediátrica a adequada orientação nutricional das crianças.

ACESSE AQUI A POSIÇÃO DA SBP DIANTE DO GUIA DE ALIMENTAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

De acordo com a SBP, é consenso que o aleitamento materno deve ser a base da alimentação no período da vida entre o nascimento e os dois anos de idade da criança (1000 dias), devendo ser oferecida de forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida e mantida pelo menos até o segundo ano ou mais, sempre que possível. Contudo, se não houver essa possibilidade, os pediatras afirmam que o leite de vaca não é adequado para consumo das crianças nessa fase da vida.

A recomendação se baseia em estudos internacionais, que têm sido adotados como referência por instituições como a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN) e Academia Americana de Pediatria (AAP). Os resultados apontam que o leite de vaca integral comprovadamente está associado a maior índice de obesidade e várias outras consequências.

POTÁSSIO - Entre os problemas relatados, estão a presença excessiva no leite de vaca de proteína, sódio, potássio e cloro, além de falta de vitaminas, de ferro, e de ácidos graxos poliinsaturados de cadeias longas (L-PUFAS que são precursoras do ômega 3 e 6).  Para os especialistas, o alto índice de proteína está associado a maior carga de soluto renal a alterações da microbiota intestinal e ao aumento da prevalência da obesidade nas crianças.

“As recomendações do Codex Alimentarius referentes às fórmulas infantis são reconhecidas nacional e internacionalmente e atualizadas, consecutivamente, com o decorrer do surgimento de novos conhecimentos acerca da temática. Nas últimas décadas, o conhecimento em nutrição infantil evoluiu consideravelmente e, com isto, a sedimentação dos benefícios do leite materno e da inadequação do leite de vaca integral”, ressaltou a presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva.

Segundo a presidente, que também é gastroenterologista pediátrica e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na impossibilidade do aleitamento natural no primeiro ano de vida, quando foi estimulada a relactação e não houve sucesso, há indicação de uso de fórmulas lácteas infantis.

NUTRIÇÃO - Os estudos citados pela SBP reiteram o papel da nutrição adequada na infância precoce como peça fundamental para o desenvolvimento completo do potencial humano. No caso específico das fórmulas, os pediatras argumentam que há evidências de que estão associadas com o melhor desenvolvimento do cérebro, do intestino e do sistema imune quando comparadas ao consumo do leite de vaca integral.

A presidente da Sociedade afirma ainda que o objetivo da alimentação do lactente “não é mimetizar o leite materno, qualitativamente incomparável, mas, sim, fazer com que a alimentação se aproxime dos efeitos e benefícios funcionais que o leite materno oferece”.

Além da recomendação equivocada de uso do leite de vaca integral por bebês, os pediatras se queixam de não terem participado da elaboração do Guia. Essa ausência é apontada como responsável pelos problemas identificados no documento.

“Coerente com essa preocupação, a SBP fez uma leitura minuciosa do novo Guia e compartilha suas reflexões para propor e contribuir com o aperfeiçoamento desse documento. Entendemos que o trabalho realizado é de grande relevância, mas exige ajustes que atendam premissas estabelecidas cientificamente, permitindo, assim, que alcance seus objetivos”, ressalta o texto encaminhado ao Ministério da Saúde.

CONSULTA PEDIÁTRICA – A SBP também questiona a pasta sobre a falta de qualquer menção no documento ministerial sobre a vital importância da consulta com o médico pediatra. “A orientação nutricional precisa ser feita em todas as consultas pediátricas e necessita de tempo para que os pais possam tirar suas dúvidas; cada criança precisa do atendimento individualizado pelo pediatra”, aponta a entidade.

Para a SBP é fundamental que seja enfatizada a necessidade do acompanhamento da criança pelo pediatra, único profissional capacitado para tal, durante a fase da puericultura, quando serão oferecidas aos pais e responsáveis as orientações nutricionais, dentre outras.