SBP Notícias 56 /outubro 2008/ janeiro 2009
O perfil epidemiológico da pediatria vem mudando e o tratamento do câncer infantil mostra isto claramente. Hoje uma doença que há 30 anos era uma sentença de morte tem índices de cura na infância e adolescência que podem chegar a 85%. Está mais que na hora da formação profissional, na Graduação e na Residência, acompanhar esta e outras evoluções. Antes de chegar ao especialista em oncologia – e para que isto ocorra o mais rapidamente possível –, o paciente precisa do melhor e do mais acertado encaminhamento do pediatra. É urgente uma política de saúde que invista na pediatria! Entre as boas notícias, está a iniciativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), de reunir diversas instituições para um esforço comum, que tem a SBP como parceira.
Maria e Victor tinham cinco anos quando as famílias receberam o diagnóstico de câncer. Hoje, aos 20 e 17 anos respectivamente, ambos estão curados. Têm em comum também o fato de a doença ter sido diagnosticada com rapidez. Maria mora em Recife e Victor no Rio de Janeiro. Ela tinha um glânglio na região cervical, bem parecido com o que muitas vezes é uma simples reação inflamatória de orofaringe na criança. Mas a pediatra desconfiou e encaminhou para a especialista. “Fizemos a biopsia e comprovamos o Linfoma de Hodgkin”, lembra a médica que hoje preside o Departamento Científico (DC) de Onco-Hematologia da SBP, dra. Vera Morais (foto acima).
Victor sentia dores agudas nas pernas e febres contínuas. Submeteu-se a vários exames. Como um deles apontou alteração em uma parte óssea, foi encaminhado ao reumatologista. Mas foi o imunologista quem descobriu a leucemia e o encaminhou para a oncologia pediátrica. Com a confirmação vinda de novos exames, 15 dias depois das primeiras dores, a família já recebia dos médicos a explicação sobre a doença, os cuidados e a grande chance de cura. “Contamos com muito apoio em casa. Somos muitos e muito unidos”, salienta a mãe, dona Sônia Recoliano, que também elogiou a atenção dos médicos e o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da UFRJ. “Depois de dois anos de tratamento, o acompanhamento vai ficando espaçado. Acredito que não tenha mais nada da doença em mim”, disse o estudante, que em 2009 termina o segundo grau.
Dr. Marcelo Land, também do Departamento de Onco-Hematologia da SBP e hoje na direção do Instituto, é da equipe que cuidou de Victor e comenta que custou a acreditar no diagnóstico: “A doença tem um comportamento diferente em cada caso, em cada criança. Nem sempre existe um comprometimento físico e muitas vezes confunde-se com uma série de doenças comuns. Quando é mais agressiva fica mais evidente”. E reforça: “é muito importante ficarmos atentos”. Dra. Vera acrescenta, categórica: “devemos fazer da pressa a amiga da perfeição. O tempo é decisivo quando se trata de câncer. No caso de Maria, fizemos somente três ciclos de quimioterapia e ela foi curada. Hoje está na Universidade e tem ótima saúde, sem seqüelas”.
Fórum Permanente e a iniciativa do INCA
Dra. Vera Morais trabalha no Hospital Universitário Oswaldo Cruz e atua também no Grupo de Ajuda à Criança Carente com Câncer (GAC), uma ONG. Com mais de 30 anos na área da oncologia infantil, lamenta: nem sempre as histórias têm final feliz. Recebemos muitos pacientes em estágio já avançado da doença e aí ou os perdemos ou eles poderão ter seqüelas muitos graves”. Por isso, no final de outubro, o DC decidiu, em reunião realizada em Recife, onde a Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe) fez seu I Simpósio de Onco-Hematologia Pediátrica, que o diagnóstico precoce está no centro do trabalho em 2009.
A presidente do Departamento reforça a iniciativa do INCA, de articular as instituições da área, com vistas à identificação das necessidades e elaboração de uma política. O Fórum Permanente sobre a Atenção Integral à Criança e ao Adolescente com Câncer começou a se organizar em junho de 2008 e é coordenado pela pediatra Maria Tereza da Costa. “Percebo uma mobilização importante. As pessoas estão preocupadas, envolvidas. É fundamental esta união de ações”, ressalta a dra. Vera. É também o que pensa o secretário-geral da SBP, dr. Edson Liberal, que vem participando das reuniões mensais do Fórum realizadas no Rio de Janeiro: “Precisamos muito melhorar o diagnóstico, que quanto mais precoce proporciona mais chance de vida com qualidade. A SBP está empenhada”.
Em novembro e em parceria com a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope), o INCA também lançou uma publicação, que consolida informações internacionais e brasileiras – estas principalmente originadas dos Registros de Câncer de Base populacional (RCBP) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. A edição de “Câncer na criança e na adolescência no Brasil”, muito comemorada na área, está disponível no portal do Instituto e também no da SBP, para os médicos (Ver Departamento de Onco- Hematologia).
Incidência e sobrevida
As taxas de incidência para todos os tipos de câncer em crianças e adolescentes têm crescido nas últimas décadas no mundo. Em contrapartida, aumentou muito a sobrevida. Houve grande inversão dos índices de mortalidade pela doença. Dos cerca de 85% das crianças com câncer, que morriam nos anos 70, até os altos índices de cura possível atingidos atualmente. A tendência e os desafios foram apontados pela acadêmica Núbia Mendonça, ainda em 1998, quando presidente do Departamento de Oncologia da Sociedade, ao SBP Notícias nº 2. Liderança reconhecida internacionalmente, professora convidada da Universidade Federal da Bahia, fundadora e atual diretora do Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC/Bahia), chefe dos serviços de oncologia pediátrica da Clínica Onco e do Hospital São Rafael, dra. Núbia reforça hoje: “a oncologia pediátrica é uma especialidade que conta uma história de conquistas incríveis. Mas muita coisa precisa mudar com urgência!”.
De fato, o que temos a comemorar é a possibilidade de que, com “atenção adequada, equipe fixa, atendendo com integralidade, com a estrutura necessária – os exames, oferta de leitos, cirurgia, radioterapia, tratamento completo, reabilitação, suportes –, tudo numa mesma unidade, se consegue chegar a excelente resultado”, resume outra pioneira, pesquisadora reconhecida no mundo, com trabalhos importantes – entre os quais se destaca o tratamento das leucemias agudas –, a também pediatra Silvia Bradalise, presidente do Centro Infantil Boldrini, de Campinas (SP). Dra. Silvia não contemporiza: “se a quimioterapia é feita em um lugar, a cirurgia em outro, a internação em um terceiro, aí começa a desagregação e a alta possibilidade de insucesso”.
A premissa de agregação e acessibilidade é do próprio Ministério da Saúde. “O radioterapeuta precisa conhecer o paciente desde a entrada no hospital, acompanhar sua evolução”, exemplifica a dra. Silvia, levantando a questão das dificuldades encontradas muitas vezes com as distâncias das grandes capitais. “A gravidade da doença, do tratamento, exige cuidados e seguimento muito de perto. Grande parte dos pacientes apresenta toxicidade, efeitos colaterais, necessita de várias internações”, lembra, apontando também o problema de que “ao contrário da quimioterapia, a internação de paciente com câncer é, em geral, deficitária para o hospital pela tabela do SUS”.
Peculiaridades e sinais
Crianças e adolescentes respondem melhor ao tratamento, principalmente à quimioterapia. Em compensação, o comportamento da doença é muito mais agressivo na faixa etária e até “no adulto jovem”, acrescenta a dra. Silvia. Os especialistas são unânimes quando apontam entre os maiores problemas exatamente a semelhança dos sintomas do câncer na criança com os de outras doenças comuns na infância. Dra. Vera Morais disponibilizou no portal da Sociedade (ver em Departamento), para os médicos, o folheto “Fique atento!”, do GAC Pernambuco, com os sinais de alerta para o diagnóstico precoce. “Suspeitar, pensar, buscar outros indicadores na história clínica, olhar os exames criticamente, consultar os colegas em caso de dúvida” é a conduta defendida por todos e explicitada pela dra. Núbia.
Mas “o pediatra precisa ter o conhecimento que o respalde”, tem defendido a dra. Tereza Costa, em recomendação que coincide com a da dra. Vera: “o estudo da oncologia durante a graduação em medicina ainda é de âmbito geral, não é pediátrica. As faculdades e os serviços de residência ou não a têm ou a desenvolvem de maneira fragmentada, com raras exceções”. O argumento reforça a análise que vem sendo feita pela SBP, assim como a proposta de adequar o conteúdo e aumentar o tempo da residência médica em pediatria. “As mudanças no perfil nosológico impõem adequação da formação”, salienta o presidente da entidade, Dioclécio Campos Jr.
Afinal, até há pouco tempo, as preocupações eram outras, muitas com doenças já erradicadas, e o foco do aprendizado também. “Chegar tardiamente ao tratamento pode significar problemas importantes e até outros cânceres mais a frente”, reforça a dra Vera. Em compensação, o retinoblastoma é o melhor exemplo do que se pode fazer para precocidade de diagnóstico. Coordenadora do Grupo de Trabalho Retinopatia da Prematuridade da SBP, dra. Nicole Gianini lembra a recomendação do Reflexo Vermelho, o Teste do Olhinho, que deve ser feito ainda na maternidade e depois na puericultura. “A partir de um ano de idade aumenta a incidência e a possibilidade de detecção do câncer pelo exame”, lembra (o protocolo criado pelo GT está disponível no portal).
Quanto à mortalidade – excluindo as causas externas que continuam em primeiro lugar na faixa etária –, e referindo-se às doenças, o maior responsável pelos óbitos de cinco a 18 anos já é o câncer, aponta a publicação do INCA. É de se destacar que a importância dos tumores malignos na mortalidade da população pediátrica tem crescido proporcionalmente. De um a quatro anos de idade, já estão entre as dez principais causas. Além do mais, “diferente das causas multifatoriais externas, esta é uma questão que compete basicamente ao sistema de saúde”, argumenta a dra. Tereza.
Gestão
Afora a importância de manter, ampliar as casas de apoio que abrigam as famílias de outras localidades – “sem elas o abandono do tratamento é certo como dois e dois são quatro”, ressalta a dra. Núbia –, reavaliar a rede de atenção oncológica do SUS é outra necessidade consensual. “É preciso rever fluxos, direcionamento dos pacientes”, cita a dra. Silvia. “Vamos estudar as portarias, protocolos, resoluções, a legislação como um todo, identificar as necessidades de mais investimentos”, adianta a dra. Tereza – cujo papel no INCA refere-se à gestão específica para a população infantojuvenil. “Já estava trabalhando no município do Rio de Janeiro com uma equipe voltada para a organização da rede com gestores municipais”, conta. “Às vezes uma criança é vista por quatro, cinco médicos diferentes e não raro nenhum deles é pediatra”, comenta a dra. Tereza. “É o problema da assistência que temos, da desorganização, da fragmentação. O papel do pediatra é muito importante, ele pode ser um facilitador para um cenário melhor”, conclui.
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