A aquisição da continência urinária é complexa e ainda não totalmente compreendida. Esta condição é chamada de enurese noturna e é definida como uma micção completa, involuntária e periódica, que ocorre durante o sono fisiológico, em crianças em idade (admite-se a partir dos cinco anos) na qual deveriam ter adquirido o controle vesical. A criança ainda não atingiu a maturidade relacionada com o controle progressivo da fisiologia da miccção, por fatores genéticos ou condições ambientais (por exemplo: distúrbios comportamentais, treinamento inadequado do controle urinário, distúrbios psicológicos) ou por redução da capacidade funcional da bexiga, anormalidades na produção de hormônio antidiurético no período noturno, alterações do despertar do sono (em geral, as crianças com enurese têm sono profundo). É importante destacar que a enurese noturna (EN) pode ser classificada em primária, quando a criança nunca adquiriu o controle da diurese noturna e secundária, caso o controle noturno já tenha ocorrido por um período maior que 6 meses e pode estar associada a situações de estresse, tais como separação dos pais, morte de familar próximo, nascimento de irmão, etc.
A EN habitualmente é designada como monossintomática quando não se associa com anomalias anatômicas e com sintomatologia diurna relacionadas com disfunção vesical. Caracterizam a disfunção miccional: manobras para urinar, escapes urinários, urgeincontinência, aumento (>8 miccções/dia) ou diminuição da freqüência da micção (< 3 miccções/dia). Estes sintomas quando presentes e associados à perda involuntária noturna, muitas vezes, relacionados com episódios de infecção do trato urinário ou alterações do padrão intestinal (obstipação ou encoprese), sugerem tratar-se de uma disfunção do trato urinário inferior, também designada como enurese noturnapolissintomática.
2) A enurese é mais comum em meninos ou meninas? Por que?
A enurese é 2 a 3 vezes mais comum em meninos. A causa para a maior incidência em meninos é desconhecida.
3) Fazer xixi na cama pode estar ligado a problemas fisiológicos de que tipo?
Sim, fisiológicos e anatômicos. Redução da capacidade funcional da bexiga, anormalidades na produção de hormônio antidiurético no período noturno, alterações do despertar do sono (em geral, as crianças com enurese têm sono profundo), problemas urológicos tais como, p. ex, refluxo vesico-ureteral.
4) Há prevenção?
O treinamento de controle de esfincteres não deve ser iniciado precocemente e, já, durante o treinamento miccional deve-se adotar medidas comportamentais/motivacionais. A criança deve ser encorajada a assumir a intenção de acordar seca e receber apoio emocional e reforço postivo dos pais incluindo elogios associados as noites secas, evitando punições em qualquer situação. Outra medida simples é sinalizar e iluminar o caminho até o banheiro, evitar obstáculos e assim facilitar que a criança se levante para realizar a miccção noturna.
5) Pode ser hereditário? Há estatísticas para esse caso?
A hereditariedade é um fator presente. Quando um dos pais apresentou enurese, 44% dos filhos terão a possibilidade de ser enuréticos, enquanto quando os dois pais foram enuréticos, a problemática poderá recorrer em 77% dos filhos. Ao contrário, quando nenhum dos pais apresenta referência de enurese noturna, somente 15% da prole será afetada. Também é mais freqüente em gêmeos monozigóticos, quando comparados com dizigóticos. A presença de enurese em outros familiares também é mais elevada. Vários genes podem estar envolvidos, localizados nos cromossomas 1, 8, 12, 13 e 22.
6) Ouvi dizer que alguns casos de enurese podem estar relacionados a alergias alimentares. Isso é verdade?
Não há, até o momento, evidências científicas sobre esta associação.
7) Quais são os sintomas que se apresentam junto com o xixi na cama?
A associação com obstipação intestinal, encoprese e transtornos psicológicos tais como o déficit de atenção é comum.
8) Até quando é “normal” fazer xixi na cama? Como proceder se esse prazo “expira”?
Em primeiro lugar deve-se considerar que a enurese noturna monossintomática (isto é, aquela com normalidade do sistema nervoso, urinário e sem outras condições orgânicas causais) é uma situação benigna, com alto índice de remissão espontânea. No entanto, a maioria dos autores concorda que aos 5 anos a criança já está apta ao controle esfincteriano. Além desta faixa etária a avaliação deve ser individualizada e os pais devem procurar auxílio do pediatra ou de um nefrologista pediátrico. Destacando que um tratamento precoce permite evitar prejuízos sobre a auto estima da criança.
9) Como tratar o assunto com a criança?
Cada caso deve ser individualizado levando em conta os sentimentos da criança e a dinâmica familiar.
A criança deve ser encorajada a assumir responsabilidade por seu próprio aprendizado e ao mesmo tempo deve receber apoio emocional e reforço postivo dos pais incluindo, por ex. em “calendário sol-chuva” ou “mapa de estrelas”, proporcionando elogios associado ao número de noites secas, evitando punições em qualquer situação. O uso de fraldas deve ser desestimulado. Outra medida simples é sinalizar e iluminar o caminho até o banheiro, evitar obstáculos e assim facilitar que a criança se levante para realizar a miccção noturna.
10) Como lidar com o problema sem constranger a criança? E no caso dela querer dormir na casa de um amiguinho, por exemplo?
Deve-se explicar que o controle da micção é mais um item dentre os inúmeros aprendizados a serem adquiridos e que os pais estarão participando deste aprendizado juntamente com um profissional (muitas vezes o pediatra ou o nefrologista pediátrico). A decisão de dormir ou não na casa de um amiguinho deve ser tomada juntamente com a criança. E, neste caso, também a decisão de esclarecer ao amigo e aos pais do amigo sobre a possibilidade de ocorrência de enurese.
11) Repreender agrava a situação?
Inquestionavelmente e isto não é recomendado.
12) Como proceder para ajudar a criança a resolver a questão? Exercícios dão certo? Como é feito o tratamento?
Veja a resposta da questão 9.
Deve-se estabelecer, também, ritmo urinário adequado com micções a cada 3 horas e ritmo intestinal normal. É importante a verificação destas medidas no horário escolar, sendo fundamental a comunicação com os educadores.
A correção do ritmo intestinal é essencial e deve incluir diagnóstico de dietas ou hábitos errados (excesso de leite, dieta pobre em fibras e rica em hidratos de carbono), orientação para modificação da dieta pessoal e familiar com introdução de fibras, folhas verdes e alimentos laxativos e funcionais. Em casos especiais, pode ser necessária terapêutica visando a desimpactação inicial das fezes, seguida de medicamentos laxativos (lactulose, óleo mineral, goma-guar parcialmente hidrolisada, etc.).
Nos casos de enurese noturna monossintomática pode se orientar treinamento miccionalou exercícios vesicais nas crianças cooperativas e motivadas, objetivando aumentar a capacidade funcional da bexiga. A resposta a este tipo tratamento, no entanto, é controversa e questionável e só deve ser feita sob supervisão médica. Exercícios fisioterápicos do assoalho pélvico (Manobras de Kegel adaptadas) podem auxiliar na propriocepção, tônus e fortalecimento da musculatura perineal. Baseia-se em exercícios regulares de contração e descontração da musculatura pubococcígea, realizados por breve período de tempo (1-3 minutos), 2-3 x/dia.
O tratamento medicamentoso só deve ser indicado por profissional capacitado após avaliação cuidadosa do paciente.
13) É importante fazer xixi antes de dormir para diminuir as chances do xixi na cama?
Sim.
14) Recompensa pelas noites secas como forma de motivação funciona quando a causa é fisiológica ou só quando é emocional?
O apoio emocional e o reforço postivo dos pais incluindo elogios associado ao número de noites secas deve ser estimulado sempre.
15) O tratamento psicológico é importante também quando a causa é fisiológica ou pode ser descartado?
A indicação para tratamento psicológico deve ser individualizada É importante salientar que a EN pode cursar com e acarretar distúrbios emocionais, como redução da auto-estima e ansiedade, sendo muitas vezes subnotificada pela família, principalmente em períodos iniciais.
É importante lembrar que os casos de EN secundária (caso o controle noturno já tenha ocorrido por um período maior que 6 meses) podem estar associados a situações de estresse, tais como separação dos pais, morte de familar próximo, nascimento de irmão, etc. e podem se beneficiar de acompanhamento psicológico.
Nilzete Liberato Bresolin
Pediatra Especialista em Nefrologia e Terapia Intensiva
Presidente do Departamento de Nefrologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria
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