Dioclécio Campos Júnior
Médico, professor emérito da Universidade de Brasília, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (GPEC)
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Fala-se muito em política educacional no país. Confunde-se, no entanto, educação com escolaridade. Nessa lógica, decidiu-se que a maior parte dos recursos econômicos obtidos pela exploração do petróleo do pré-sal será destinada à educação, onde se espera produzir milagroso impacto. No entanto, para que o milagre ocorra, o investimento prioritário há de ser no pré-natal. A vida do ser humano não tem início no momento do parto. Sua semente é formada, germina e desabrocha no período intra-uterino. É quando cabe o mais elevado nível das ações voltadas para cultivá-la com a necessária delicadeza.
Durante os nove meses em que normalmente se estrutura e esculpe, no útero materno, o organismo da nova criatura humana, o passado, o presente e o futuro da espécie são recapitulados. O pulsar de um ser em evolução reproduz boa parte do caminho percorrido pelo gênero humano até chegar à condição atual. A ontogênese rememora a filogênese. Os tecidos e órgãos de um feto exercem funções interativas a serem diferenciadas ao longo de toda a sua existência. As originalidades surgem na vida intra-uterina, ao longo da qual é estabelecido o estreito intercâmbio com o meio ambiente graças ao papel desempenhado pela figura humana materna.
A rota delineada para a geração integral de um novo ser é sempre a mesma para todos. O perfil de cada um é lapidado em sintonia com a unicidade genética que lhe éprópria e com os diversos cenários ambientais em que nasce, cresce, amadurece, envelhece e fenece.É o espelho fiel da ligação entre o genoma e o epigenoma. Em outras palavras, a interdependência entre o DNA e os elementos ecológicos que regulam a expressão dos genes. Assim, os traços físicos e mentais de cada cidadão são a imagem tipicamente pessoal, representando a influência dos estímulos favoráveis e desfavoráveis que contribuíram para expressar, de formas diferentes, a originalidade genética com a qual, recém-nascido, chegou à vida extra-uterina.
O cenário decisivo para o desenrolar do processo metamórficoé a vida intra-uterina. O feto é a joia mais preciosa da humanidade, burilada com esmero no interior do sagrado escrínio do ventre materno. Somente estará bem protegido aquele cuja mãe for bem assistida. A mulher que se torna gestante, embora não reconhecida no seu mérito, é a pessoa de maior relevância para a sociedade. Traz consigo o indescritívelelã que possibilita a perpetuação da espécie. Sem ela, o Homo sapiens já teria desaparecido do planeta.
Os cuidados pré-natais são de absoluta primazia para o binômio mãe/filho. A blindagem da gestante contra o estresse do mundo atual é prioridade. Se a mulher não contar com o apoio que merece para navegar serenamente na maternidade, as substâncias produzidas pelo seu organismo, em resposta ao estresse, podem impregnar as células fetais, ameaçando, particularmente, a modelagem normal do cérebro. Por outro lado, a nutrição materna adequada é um direito a ser garantido a fim de que a mãe possa compartilhar, com o seu hóspede em evolução, os nutrientes indispensáveis ao crescimento que atinge, nesta fase, a maior proporção e velocidade de toda a existência do indivíduo. Além disso, o feto tem direito de viver num ambiente uterino isento dos efeitos nocivos da nicotina, do álcool e de outras substâncias tóxicas. Também o controle de doenças infecciosas é pressuposto da proteção da gestante contra os agentes microbianos, impedindo-se, assim, que contaminem e deteriorem a saúde fetal. A orientação quanto à futura prática do aleitamento materno é outro componente da assistênciapré-natal. O nascimento prematuro, produzido por cesariana sem indicação médica correta, não pode ser aceito no contexto dos cuidados pré-natais. O feto tem direito à inteireza da vida intra-uterina, salvo nas situações excepcionais em que sua vinda ao mundo extra-uterino precisa ser antecipada.
Diante dos pontos citados, fica evidente a alta complexidade das ações que integram a assistênciapré-natal. Não podem ser banalizadas como sói acontecer no Brasil. Todas as gestantes merecem ter acesso ao acompanhamento feito por médico obstetra qualificado para a valiosa missão, auxiliado por outros profissionais de saúde. Se a completude do crescimento fetal não ocorrer, as etapas seguintes da metamorfose poderão estar seriamente comprometidas.
Sem o pré-natal de alta qualidade, de nada valerá o pré-sal. O petróleo poderá jorrar abundantemente, mas grande número de seres humanos seguirá prejudicado nas profundezas das camadas do pré-natal.
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