PRN-SBP protocola documento na consulta pública – cuidado ao recém-nascido na operação cesariana

São Paulo, 13 de maio de 2015.

À Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – Ministério da Saúde,

Em relação ao Capítulo 5 – Cuidado do Recém-Nascido (peculiaridades da operação cesariana), Diretrizes sobre a Cesariana, no questionamento “Um profissional de saúde treinado em reanimação neonatal deve estar presente na sala de parto para recepcionar o recém-nascido? Precisa ser o pediatra? Tipo de anestesia influencia em qual profissional deve estar presente?” (página 62), segue a contribuição abaixo.

Diante dos objetivos do documento em consulta pública e da Portaria 371/2014 do Ministério da Saúde:

– Objetivos do documento em consulta pública: “tem como finalidades principais avaliar e sintetizar a informação científica em relação às práticas mais comuns na atenção à cesariana programada, de modo a fornecer subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado, no intuito de promover e proteger a saúde e o bem-estar da mulher e da criança” (página 19);

– Portaria 371/2014 do Ministério da Saúde: “O atendimento ao recém-nascido, no momento do nascimento em estabelecimentos de saúde que realizam partos, consiste na assistência por profissional capacitado, médico (preferencialmente pediatra ou neonatologista) ou profissional de enfermagem (preferencialmente enfermeiro obstetra ou neonatal)” (1º artigo, parágrafo único). “É capacitado em reanimação neonatal o médico ou profissional de enfermagem, que tenha realizado treinamento teórico-prático, conforme Nota Técnica SAS/MS 16 de 2014” (artigo 3º).

O Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria entende que assistência ao recém-nascido na sala de parto seja realizada pelo melhor profissional capacitado, ou seja, o pediatra treinado em todos os procedimentos de reanimação neonatal, de acordo com as evidências científicas abaixo relacionadas.

A operação cesariana, por si só, determina um aumento da dificuldade da transição cardiocirculatória e respiratória da vida intrauterina para a extrauterina. A literatura científica mostra que há necessidade aumentada de aplicação de ventilação com pressão positiva em neonatos a termo, de 37 a 41 semanas, nascidos por cesarianas eletivas com anestesia regional, em comparação aos nascidos por parto vaginal.

  • Dentre 902 gestantes submetidas à cesárea eletiva sob anestesia regional entre 1975 e 1983 em Winnipeg (Canadá), a presença de Apgar de primeiro minuto de 0-4 foi de 2% e a frequência de intubação traqueal, 1,7% (Ong et al, 1989).
  • Em um hospital secundário e outro terciário na Carolina do Norte, EUA, dentre 11.702 conceptos de mulheres sem complicações na gravidez, com parto cesariano eletivo, comparados com nascidos a termo de parto vaginal, apresentaram maior probabilidade de apresentar com Apgar de 1 minuto de 0-3 e necessitar de oxigenoterapia após admissão na unidade neonatal (4.9% vs. 1,4%) (Annibale et al, 1995).
  • Em Anchorage (Alaska, EUA), em um estudo caso-controle realizado entre 1993 e 1995, foram analisadas 381 cesárias eletivas por cesárea anterior e 834 partos vaginais em conceptos com 37-42 semanas de gestação única, apresentação cefálica, sem complicações maternas ou fetais. A frequência de ventilação com balão e máscara foi de 2,.3% nos nascidos de parto cesárea vs. 1,7% nos de parto vaginal. A necessidade de manobras de reanimação foi 1,9 (IC95% 1,4-2,6) vezes maior nos nascidos por cesariana (Jacob & Pfenninger, 1997).
  • Na Tasmânia (Austrália), entre 1980 e 1989, foram analisados 2.408 cesáreas eletivas com anestesia regional e 32.742 partos vaginais em conceptos com idade gestacional ≥37 semanas e peso ao nascer ≥2500g. A intubação traqueal foi realizada em 2,8% dos nascidos por cesárea vs. 0,3% dos nascidos por parto vaginal, com risco 1,8 vezes maior do procedimento nos nascidos via cesárea. O Apgar de 0-3 no primeiro minuto foi de 5,3% quando o parto foi cesárea vs. 1,2% quando o mesmo foi vaginal (Parsons et al, 1998).
  • Em Los Angeles (Califórnia, EUA), entre 1995 e 1997, foram estudados 419 nascidos a termo de parto cesárea, provenientes de gestações sem complicações e com ausência de sofrimento fetal no período antenatal. Desses, 49% precisaram de alguma forma ativa de intervenção na sala de parto, dentre oxigênio inalatório, ventilação com balão e máscara e intubação; mas, não é possível identificar quantos precisaram de ventilação com balão e máscara ou com cânula traqueal (Posen et al, 2000).
  • Em Sydney (Austrália), coorte hospitalar avaliada entre 1990 e 2002 com 3.119 cesáreas eletivas com anestesia regional e 21.547 partos vaginais, ambos em gestações únicas de conceptos a termo sem sofrimento fetal, houve necessidade de reanimação em 7,8% dos nascidos por cesárea vs. 4,2% dos nascidos por parto vaginal. A reanimação com intubação e/ou massagem cardíaca foi necessária, respectivamente, em 0,3% e 0,2%. O Apgar de primeiro minuto de 0-5 foi similar para ambos os grupos (Gordon et al, 2005).
  • Na Tasmânia (Austrália), entre 1998 e 2003, foram analisadas 2.620 cesáreas eletivas com anestesia regional e 21.733 partos vaginais em conceptos com idade gestacional ≥37 semanas de gestações únicas. A necessidade de ventilação com pressão positiva com balão e máscara foi de 5,1% dos nascidos por cesárea vs. 3,8% dos nascidos por parto vaginal, com risco 1,34 (IC95% 1,12-1,60) vezes maior da aplicação do procedimento nos nascidos via vaginal. A frequência de Apgar de 0-3 no primeiro minuto foi menor nos nascidos por via vaginal (Atherton et al, 2006).
  • Estudo prospectivo nacional realizado em 35 maternidades públicas de 20 capitais brasileiras comparou a assistência ao nascer de 6.929 recém-nascidos a termo (37-41 semanas) de apresentação cefálica sem anomalias congênitas: 2.087 nascidos de parto cesárea não-urgente sob anestesia regional versus 4.842 nascidos de parto vaginal não instrumental. Necessitaram de ventilação com balão e máscara para iniciar a respiração: 4,7% nascidos de cesárea não-urgente e 3,3% nascidos de parto vaginal; e de ventilação por intubação traqueal: 0,3% nascidos de cesárea e 0,4% nascidos de parto vaginal. Nascer de operação cesariana não urgente aumenta o risco em 42% (IC95%: 7-89%) da necessidade de ventilação com balão e máscara em relação ao parto vaginal em recém-nascidos de termo (De Almeida et al, 2010).
  • Em Adana (Turquia) foram avaliados, durante seis meses de 2011, 545 nascidos de 35 a 41 semanas por cesárea eletiva. A necessidade de ventilação com pressão positiva nesse grupo foi de 4,2%. No entanto, a inclusão de prematuros tardios e de partos com anestesia geral não permitem qualquer conclusão a respeito da necessidade do procedimento em nascidos a termo de gestação única por operação cesariana eletiva com anestesia regional (Ozlu et al, 2012).

Observa-se, portanto, que em cesáreas eletivas em mulheres com gestação única, sem complicações, com apresentação cefálica, submetidas à anestesia regional, a necessidade ventilação com pressão positiva com balão e máscara no recém-nascido a termo gira ao redor de 2-5% e a de intubação traqueal com ou sem massagem cardíaca se situa por volta de 0,5%. Vale lembrar que a avaliação da vitalidade ao nascer pelo Boletim de Apgar não expressa necessariamente a condição de nascimento, uma vez que a ventilação com pressão positiva, quando necessária, deve ser iniciada nos primeiros 60 segundos depois do nascimento (Kattwinkel et al, 2010). O risco de morte ou morbidade aumenta em 16% a cada 30 segundos de demora para iniciar a ventilação com pressão positiva até o 6º minuto após o nascimento, independentemente do peso ao nascer, da idade gestacional ou de complicações na gravidez ou no parto (Ersdal et al, 2012).                 No contexto acima, cerca de um em cada 20 nascidos a termo de cesárea eletiva com anestesia regional necessitam de ventilação com pressão positiva com balão e máscara. A ventilação com pressão positiva é o procedimento mais importante da reanimação neonatal (Kattwinkel, 2011). No entanto, a ventilação com balão e máscara não é um procedimento simples, havendo dificuldade do profissional que reanima o recém-nascido se assegurar de que o volume corrente oferecido ao paciente está adequado, pois, são frequentes escapes de gás de grande magnitude entre a face e a máscara, além do que as obstruções de vias aéreas são comuns nessa faixa etária (Wood & Morley 2013). O profissional de saúde deve ser capaz de detectar e corrigir essas falhas de modo rápido, estando ciente que se tal correção não for eficaz, a intubação traqueal está indicada (Katwinkel, 2011; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2012).  A indicação da intubação traqueal e a sua execução, no Brasil, são atos médicos.

Dessa maneira, o Programa de Reanimação Neonatal Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que a assistência ao recém-nascido na sala de parto seja realizada pelo melhor profissional capacitado, ou seja, o pediatra treinado em todos os procedimentos de reanimação neonatal. A SBP entende que, nos locais distantes dos grandes centros, em que a presença do pediatra não é possível, o recém-nascido tem o direito ao melhor atendimento disponível por outro profissional habilitado em ventilação com balão e máscara, cuja atenção esteja voltada exclusivamente para o mesmo (documento disponível em: http://www.sbp.com.br/pdfs/PRES037-12EncaposicionamDCNeo-MinistroSaude.pdf).

Referências:

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Atherton N, Parsons SJ, Mansfield P. Attendance of paediatricians at elective  Caesarean sections performed under regional anaesthesia: is it warranted?  J Paediatr Child Health. 2006;42:332-6.

de Almeida MF, Guinsburg R, da Costa JO, Anchieta LM, Freire LM, Campos D Jr. Non-urgent caesarean delivery increases the need for ventilation at birth in term newborn infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2010;95:F326-30.

Ersdal HL, Mduma E, Svensen E, Perlman JM. Early initiation of basic resuscitation interventions including face mask ventilation may reduce birth asphyxia related mortality in low-income countries: a prospective descriptive observational study. Resuscitation. 2012;83:869-73.

Gordon A, McKechnie EJ, Jeffery H. Pediatric presence at cesarean section: justified or not? Am J Obstet Gynecol. 2005;193:599-605.

Jacob J, Pfenninger J. Cesarean deliveries: when is a pediatrician necessary? Obstet Gynecol. 1997;89:217-20.

Kattwinkel J, Perlman JM, Aziz K, Colby C, Fairchild K, Gallagher J, et al. Part 15: neonatal resuscitation: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2010;122 (18 Suppl 3):S909-19

Kattwinkel J. Textbook of neonatal resuscitation. 6th ed. Elk Grove Village: American Academy of Pediatrics/American Heart Association; 2011.

Ong BY, Cohen MM, Palahniuk RJ. Anesthesia for cesarean section–effects on neonates. Anesth Analg. 1989;68:270-5.

Ozlu F, Yapıcıoglu H, Ulu B, Buyukkurt S, Unlugenc H. Do all deliveries with elective caesarean section need paediatrician attendance? J Matern Fetal Neonatal Med. 2012;25:2766-8.

Parsons SJ, Sonneveld S, Nolan T. Is a paediatrician needed at all caesarean sections? J Paediatr Child Health. 1998;34:241-4.

Posen R, Friedlich P, Chan L, Miller D. Relationship between fetal monitoring and resuscitative needs: fetal distress versus routine cesarean deliveries. J Perinatol. 2000;20:101-4.

Sociedade Brasileira de Pediatria. Reanimação neonatal: diretrizes para profissionais de saúde. 1ª ed. Rio de Janeiro: SBP; 2012.

Wood FE, Morley CJ. Face mask ventilation–the dos and don’ts. Semin Fetal Neonatal Med. 2013;18:344-51.

Maria Fernanda B de Almeida e Ruth Guinsburg

Coordenação do Programa de Reanimação Neonatal

Sociedade Brasileira de Pediatria

E-mail: [email protected]