Púrpura de Henoch-Schönlein

A púrpura de Henoch-Schönlein (PHS), também conhecida como púrpura anafilactóide ou púrpura reumática, é a vasculite (ou seja uma inflamação dos vasos da pele, podendo também acometer os vasos do intestino, articulações e rins) mais freqüente nas crianças e nos adolescentes. O seu diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na presença de dois ou mais dos …

A púrpura de Henoch-Schönlein (PHS), também conhecida como púrpura anafilactóide ou púrpura reumática, é a vasculite (ou seja uma inflamação dos vasos da pele, podendo também acometer os vasos do intestino, articulações e rins) mais freqüente nas crianças e nos adolescentes. O seu diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na presença de dois ou mais dos critérios propostos pelo Colégio Americano de Reumatologia, em crianças com manchas elevadas na pele que não desaparecem com a pressão digital (púrpura palpável)

Critérios do Colégio Americano de Reumatologia para o diagnóstico de púrpura de Henoch-Schönlein

Critérios
Definições
1. Púrpura palpável
Púrpuras elevadas, não relacionadas a redução das plaquetas (plaquetopenia)
2. Idade de início inferior a 20 anos
Idade de início dos sintomas antes dos 20 anos
3. Dor abdominal
Dor de barriga, geralmente difusa que piora às refeições ou presença de sangramento nas fezes
4. Alterações na biópsia de pele
O exame histológico evidencia granulócitos em paredes de arteríolas ou vênulas

A presença de dois ou mais dos quatro critérios, em crianças e adolescentes com púrpura palpável, define o diagnóstico

causa da PHS é desconhecida, porém vários fatores desencadeantes têm sido descritos. As infecções de vias aéreas superiores (como resfriados, gripes e amigdalite purulenta) podem preceder as manifestações da PHS em até 50% das crianças. Outros possíveis fatores desencadeantes incluem: vacinas, medicamentos, alimentos, picadas de inseto e exposição ao frio.

A PHS ocorre, predominantemente, em crianças na faixa etária escolar (média de 6 anos), podendo incidir entre um e 19 anos de idade. A manifestação clínica mais freqüente é apúrpura palpável não relacionada com a redução das plquetas (púrpura plaquetopênica) em 100% dos pacientes e de localização predominante em pernas, coxas, pés e nádegas, podendo ocorrer também em: face, couro cabeludo, braços e raramente tronco (Figura 1). Em geral, as lesões aparecem em surtos com intervalos de uma semana ou mais e com duração total do quadro ativo entre três e 12 semanas. O inchaço (edema subcutâneo), com localização predominante em mãos e pés, pode ser evidenciado em até 30% dospacientes.

Figura 1 – Lesões púrpuricas palpáveis em perna e coxa direita em uma paciente com púrpura de Henoch-Schönlein

henoch

Dor nas articulações (artralgia) e ou inflamação com inchaço destas (artrite) ocorre em 60 a 84% dos pacientes. Em geral acomete joelhos e tornozelos, com dor e dificuldade ou impossibilidade de deambulação.

O comprometimento gastrointestinal (estômago e intestino) é freqüente variando de 50 a 85% dos casos, tendo sido a apresentação inicial da PHS em até 19% dos pacientes. Os pacientes podem apresentar: dor abdominal (dor de barriga), náuseas, vômitos, sangramento intestinal [como enterroragia (fezes com sangue vivo) ou melena (fezes escuras)] e raramente perfuração intestinal.

O comprometimento dos rins (nefrite) ocorre em 10 a 50% dos pacientes, geralmente nos primeiros três meses da doença. Doença renal grave ocorre em 1 a 4,5% de todas as crianças e adolescentes com PHS e em 7,5% daqueles com alterações renais persistentes. As alterações renais mais freqüentes são leves e geralmente evidenciadas nos exames de urina, tais como: hematúria (sangue na urina) e proteinúria (proteina na urina), com durações habitualmente entre um e três meses.

tratamento da PHS deve individualizado para cada paciente e conduzido, preferencialmente, pelo reumatologista ou nefrologista pediátrico. Este deve ser dirigido para identificação e remoção dos possíveis agentes envolvidos: infecções, alimentos, drogas, vacinas, etc. As púrpuras habitualmente melhoram sem necessidade de tratamento, não respondem aos antiinflamatórios não hormonais e anti-alérgicos. Geralmente, os analgésicos (paracetamol) são indicados para artralgia; antiinflamatórios não hormonais (como o naproxeno) para controle das artrites; corticosteróides (prednisona, prednisolona e/ou pulsoterapia com metilprednisolona) para dor abdominal importante, nefrites graves, inflamação dos testículos (orquite), assim como em outras alterações graves e raras (envolvimento neurológico e hemorragia dos pulmões). A ranitidina é usada geralmente em todos os casos com dor abdominal, podendo ser associada aos corticosteróides. Os imunossupressores (tais como: ciclofosfamida, ciclosporina A, azatioprina, entre outros), gamaglobulina endovenosa ou plasmaferese são usados raramente e geralmente nos pacientes com nefrites ou outras manifestações graves e que não melhoraram aos corticosteróides.

evolução dos pacientes geralmente é adequada, apesar das púrpuras poderem recorrer. As manifestações articulares e gastrintestinais costumam se resolver entre um e dois meses. A longo prazo, a preocupação é com os rins. Os pacientes devem ser seguidos e realizados exames de sangue e de urina periodicamente.

Atualmente, recomenda-se o seguimento de crianças com PHS, com avaliações semestrais dos exames de sangue e de urina, por pelo menos 5 a 10 anos, para aqueles que não apresentarem alterações renais inicialmente. Os pacientes que apresentarem alterações laboratoriais renais transitórias ou persistentes devem ser rigorosamente acompanhados por toda vida com reumatologista ou nefrologista pediátrico, pelo maior risco de desenvolver insuficiência renal (desencadeada por fatores como gravidez ou cirurgias), mesmo na ausência de doença renal ativa.

 

Clovis Artur Almeida da Silva
Professor Colaborador do Departamento de Pediatria e Doutor em Medicina pela FMUSP. Responsável pela Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro do Departamento Científico de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria em 2004-2006