As doenças reumáticas têm um impacto negativo em várias dimensões da vida de crianças de 0 a 18 anos, incluindo incapacidade física, desgaste emocional, desajuste social e diminuição da escolaridade, além de representarem um custo enorme para as famílias, sociedade e governo, seja a nível federal, estadual ou municipal. A artrite idiopática (reumatóide) juvenil e as espondiloartropatias são exemplos de doenças crônicas que na ausência de tratamento medicamentoso adequado e reabilitação especializada evoluem para deformidades ósteo-articulares irreversíveis.
Outras doenças, como a febre reumática, o lúpus eritematoso sistêmico, as vasculites e a dermatomiosite podem ser fatais. Nestas entidades nosológicas não é raro o acometimento de vários órgãos e aparelhos vitais.
Observa-se uma tendência mundial para uma abordagem multiprofissional de crianças com doenças reumáticas com o objetivo de proporcionar uma melhora clínica mais rápida e efetiva. A integração de pediatras, reumatologistas pediátricos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, resulta em menos seqüelas e visa um implemento na aderência dos pacientes ao tratamento, que pode durar anos, até a transição para o reumatologista de adultos.
As doenças reumáticas da infância são complexas e os pacientes são avaliados com freqüência pelos especialistas, realizam exames laboratoriais periódicos e estão sujeitos a internações eventuais em pronto-socorro, enfermaria e unidade de terapia intensiva. O uso de agentes imunossupressores, como os corticosteróides, o metotrexato e a azatioprina, entre outros, acarreta diminuição da imunidade celular e humoral e faz com que os pacientes fiquem mais suscetíveis a infecções bacterianas, fúngicas e virais, que podem tornar-se sérias e incontroláveis em um pequeno intervalo de tempo.
O atraso no encaminhamento de pacientes com suspeita de doença reumática para os especialistas pode resultar em uma demora no início do tratamento, que por sua vez acarreta danos orgânicos permanentes. Um estudo realizado em nosso meio (1), coordenado pelo Departamento de Reumatologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, envolvendo oito serviços especializados em Reumatologia Pediátrica, avaliou o perfil de 111 crianças e adolescentes com diagnóstico definitivo de AIJ, sendo 92% moradores de região urbana. Em 20% dos casos o diagnóstico inicial foi de traumatismo e em 15% de febre reumática, doença prevalente em países em desenvolvimento. O número de médicos consultados entre o início dos sintomas e a primeira consulta com o Reumatologista Pediátrico variou de 1 a 20, com média de 3,6 e o intervalo de tempo entre o primeiro atendimento médico e a consulta com o especialista variou de poucos dias a 10 anos, com média de 1,4 anos.
Os especialistas em reumatologia pediátrica encontram-se em sua maioria ligados a hospitais universitários e hospitais públicos, que de um modo geral não recusam novos pacientes. Sua formação inclui residência em pediatria, especialização em reumatologia pediátrica (duração de 2 anos), aprovação no concurso para a obtenção do Título de Habilitação em Reumatologia (Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Pediatria e de Reumatologia), além de mestrado e doutorado em muitos casos. Em cidades sem especialistas os reumatologistas de adultos podem acompanhar crianças com doenças reumáticas, sempre em conjunto com o pediatra.
Em 1997 o Colégio Americano de Reumatologia elaborou um guia para o encaminhamento de pacientes para o reumatologista pediátrico (Quadro 1) (2), modificado pelo Departamento de Pediatria da Sociedade de Pediatria de São Paulo, que deve ser utilizado em nosso Estado.
Quadro 1. Guia para o encaminhamento de pacientes para reumatologistas pediátricos.
Crianças e adolescentes com as seguintes doenças ou situações poderão beneficiar-se de um encaminhamento para um reumatologista pediátrico. |
1. Pacientes com: |
- Febre prolongada de origem indeterminada. |
- Perda de função no aparelho ósteo-articular. |
- Dor ou edema articular sem causa aparente. |
- Alteração de testes laboratoriais reumatológicos (fator antinúcleo e fator reumatóide) com ou sem causa aparente. |
- Suspeita de doença autoimune. |
2. Avaliação diagnóstica e seguimento em longo prazo de crianças e adolescentes com suspeita diagnóstica ou diagnóstico definitivo de: |
- Artrite idiopática juvenil (ou artrite reumatóide juvenil). |
- Espondiloartropatias. |
- Dermatomiosite. |
- Lúpus eritematoso sistêmico. |
- Doença mista do tecido conectivo. |
- Síndrome antifosfolípide. |
- Esclerodermia localizada ou sistêmica. |
- Vasculites (com exceção de púrpura de Henoch-Schönlein). |
- Síndrome de Sjögren. |
- Sarcoidose. |
- Policondrite recorrente. |
- Osteoporose primária ou secundária. |
- Uveíte aguda ou crônica. |
3. Confirmação diagnóstica e auxílio na elaboração do plano terapêutico de pacientes com: |
- Suspeita ou diagnóstico definitivo de febre reumática. |
- Púrpura de Henoch-Schönlein. |
- Artrite reativa. |
- Síndrome de amplificação dolorosa (“dor de crescimento” e fibromialgia) |
- Doença de Kawasaki. |
Referências bibliográficas:
1. Len CA, Liphaus B, Machado CS e membros do Departamento de Reumatologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Artrite reumatóide juvenil: atraso no diagnóstico no encaminhamento para o especialista. Rev Paul Pediatr 2002;20:280-282.
2. Sessão de Pediatria do Colégio Americano de Reumatologia. Guidelines for Referral of Children and Adolescents to Pediatric Rheumatologists [Guia para o Encaminhamento de Crianças e Adolescentes para Reumatologistas Pediátricos]. Site do Colégio Americano de Reumatologia (www.rheumatology.org/publications/position/peditaricreferrals.asp).
*Adaptação de texto do Colégio Americano de Reumatologia
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