Retirada da carne do cardápio da merenda escolar na Bahia é alvo de críticas da SBP, por meio de nota técnica do DC de Nutrologia

O Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou nota técnica sobre as restrições de proteína animal no cardápio da merenda escolar nos municípios baianos de Serrinha, Barrocas, Biritinga e Teofilândia. A decisão da retirada da proteína animal faz parte do projeto Escola Sustentável, promovido pelo Ministério Público da Bahia. A previsão é de que até o final de 2019, 100% do cardápio da merenda escolar nestas cidades estejam sem proteína animal.

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“Nos preocupa a exclusão de um grupo alimentar tão importante, como a proteína animal, que vai ser fonte de ferro, vai ser fonte de zinco, vai ser fonte de cálcio na alimentação de crianças de uma população carente, do sertão. Vivemos num país cujas prevalências de deficiência de vitamina A, zinco e ferro ainda são expressivas, não obstante somos alvo de investimento em orientações para suplementações preventivas de vitamina A e ferro na Infância e suplementação de Zinco em condições específicas como na desnutrição grave e na diarreia aguda, de acordo com protocolos desenvolvidos e recomendados pela Organização Mundial de Saúde”, diz a dra. Junaura Barreto, do DC de Nutrologia da SBP.

Ao todo, cerca de 30 mil alunos são afetados pela mudança, que retira especialmente a carne, o leite e os ovos da merenda. De acordo com a promotora de justiça Letícia Baird, idealizadora do projeto, o "Escola Sustentável" foi pensado após um levantamento sobre a qualidade da merenda ter encontrado muitos casos de desnutrição, obesidade e alergias, além de mau uso do dinheiro público na compra dos alimentos.

PROCESSOS DINÂMICOS - A nota da SBP diz ainda que na infância os processos metabólicos são dinâmicos e as formações de órgãos e sistemas se processam de maneira ordenada e funcional, desde que se tenham nutrientes e estímulos adequados em ambiente promotor de saúde. “Um lactente triplica o peso ao nascer no primeiro ano de vida, ganha a partir daí 2kg/ano e cresce a partir do primeiro ano de vida de 5 a 7 cm ao ano. Deficiências ou excesso de nutrientes na infância podem contribuir para o desenvolvimento de obesidade, diabetes e desnutrição”, diz trecho do documento.

Dra. Junaura destaca ainda que a deficiência de nutrientes encontrados nos alimentos de origem vegetal pode acarretar em problemas cognitivos. “A carência de ferro traz repercussões cognitivas importantes, inclusive dificuldades de aprendizado, e algumas repercussões que são irreversíveis. Têm estudos mostrando que crianças que tiveram anemia por deficiência de ferro têm alterações em níveis cerebrais que são irreversíveis, e levam para a vida adulta. Então, são adultos que terão deficiências cognitivas de alguma forma”, afirma.

Com relação às justificativas do MP-BA para implementação do "Escola Sustentável", como casos obesidade e desnutrição entre as crianças, dra Junaura diz que outros fatores também influenciam nesses problemas. “Nós sabemos que existem dificuldades na gestão e na seleção destes nutrientes na merenda escolar, de um modo geral, mas a prevenção da obesidade vem muito mais do incentivo ao aleitamento materno. O próprio leite materno é uma proteína animal, mas uma proteína espécie específica. Essas crianças que estão na escola não estão mais mamando, elas não têm a fonte proteica da mãe, elas têm a fonte proteica externa", diz.

PREOCUPAÇÃO – O DC de Nutrologia da SBP vê, com grande preocupação, a previsão de substituição do cardápio diário da merenda escolar de toda proteína de origem animal. “Nos preocupa por se tratarem de cerca de 30 mil crianças de quatro municípios do sertão baiano, zona na qual sabidamente residem crianças carentes que muitas vezes contam com a merenda escolar como a principal refeição substancial do dia”, diz o grupo.

A nota da SBP ressalta ainda que não estrará no mérito das questões individuais e filosóficas referentes à escolha da alimentação vegetariana, a qual pode fazer parte de uma filosofia de vida da família da criança. Entretanto, se sabe que na condição escolhida existe uma capacidade diferenciada de esclarecimento e de obtenção e acesso a informações, orientações e acompanhamento com profissionais para detectar as possíveis deficiências nutricionais e realizar as suplementações necessárias para prevenir ou tratar as hipovitaminoses, deficiências de minerais ou oligoelementos prejudiciais para o crescimento e, sobretudo, para o desenvolvimento cerebral.

“Nós nos referimos às intervenções com amostras significativas da população de crianças em desenvolvimento somático e neurológico. A proteína é um macronutriente importante e presente na pirâmide alimentar, ferramenta base de orientação da alimentação da criança e do adolescente”, advertem os especialistas.

Por fim, a nota da SBP enfatiza que respeita toda e qualquer intervenção que venha a contribuir para a promoção da saúde infantil. Entretanto, algumas intervenções que representem algum risco nutricional, necessitam de uma maior discussão e da contribuição de entidades de classe que tenham representação acadêmica, científica e assistencial na sociedade para que se possa agir com segurança agregando valores para a promoção da saúde e bem-estar das crianças.