A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou neste domingo (6) um manual de orientação para médicos, pais, educadores, crianças e adolescentes. O foco é a “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital”. O documento inédito no País foi inspirado em estudos e recomendações internacionais e adaptadas à realidade nacional. O trabalho foi elaborado pelo Departamento Científico (DC) de Adolescência da SBP, sob coordenação da dra Evelyn Einsentein, professora de Pediatria e Clínica de Adolescente e coordenadora de disciplina de Adolescência da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do R io de Janeiro (Uerj), a pedido da Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, dra Luciana Rodrigues Silva, O interesse foi despertado em virtude da atualidade do tema e da necessidade de se oferecer orientações ainda este ano, nos primeiros meses da sua gestão.
No texto, são abordados os principais problemas ligados ao uso excessivo da tecnologia por crianças e adolescentes. Entre as consequências, estão o aumento da ansiedade, a dificuldade de estabelecer relações em sociedade, o estímulo à sexualização precoce, a adesão ao cyberbullying, o comportamento violento ou agressivo, os transtornos de sono e de alimentação, o baixo rendimento escolar, as lesões por esforço repetitivo e a exposição precoce a drogas, entre outros. Todos com efeitos danosos para a saúde individual e coletiva, com graves reflexos para o ambiente familiar e escolar.
De acordo com a SBP, estudos científicos comprovam que a tecnologia influencia comportamentos através do mundo digital, pela adoção de hábitos, muitos deles inadequados desde os primeiros anos da infância. Há algum tempo, este tema tem ocupado espaço nas discussões na entidade, preocupada com a melhor orientação ao pediatra no atendimento de seus pacientes e familiares.
Entre os trabalhos consultados se destacam os textos produzidos por pesquisadores da Academia Americana de Pediatria (AAP), como o dr Michael Rich, do Centro para Midia e Saúde de Crianças (Center on Media and Child Health) e professor de Harvard, e o dr Vic Strasburger, professor da Universidade de Novo México. Assim. A prevenção dos riscos à saúde de crianças e adolescentes online é um assunto atual e global.
“Existem benefícios e prejuízos advindos dessas tecnologias. O desafio é saber usá-las na dose certa. Nestes contextos, o pediatra tem um papel central, pois, pelo respeito e confiança que recebe das famílias, pode ser o agente de mudanças ao orientar os pais a agirem diante de cenários de risco”, ressaltou a presidente da SBP, dra Luciana Rodrigues da Silva.
Para ela, os pediatras podem programar com as crianças e adolescentes e suas famílias um plano de “dieta midiática” de acordo com as idades e desenvolvimento cognitivo e maturidade Da mesma forma, avisou, é importante orientar as crianças e adolescentes a se protegerem e terem conhecimento e todos os riscos. o entanto, dra Luciana lembrou ainda que, como em qualquer plano de reeducação física ou alimentar, é preciso do engajamento de pais, responsáveis e de professores para que os bons resultados apareçam.
A presidente do DC de Adolescência, dra. Alda Azevedo, acredita que, embora o Marco Civil da Internet (12.965/2014) evidencie a necessidade do controle e vigilância parental e a educação digital como formas de proteção frente às mudanças tecnológicas, tanto pais como os educadores precisam aprender como exercer esta mediação. ”As crianças e adolescentes devem ser informados, por exemplo, das necessidades de hábitos saudáveis de modo sistemático”, ponderou, citando um dos 40 pontos recomendados no Manual elaborado pela SBP.
INTOLERÂNCIA E ÓDIO NA INTERNET – O documento da SBP se baseou em quase 30 pesquisas científicas nacionais e internacionais. Entre elas está o levantamento Tic Kids Online – Brasil de 2015, realizado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI) e pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação (Cetic.br). Esse trabalho mapeou o perfil e os hábitos das crianças e adolescentes com acesso à internet no Brasil, inclusive com questões sobre intolerância e discurso de ódio.
A Tic Kids Online 2015 entrevistou mais de três mil famílias de 350 municípios das cinco regiões do Brasil. Foram ouvidas crianças e adolescentes com idades de 9 a 17. Os dados mostram que oito em cada dez crianças e adolescentes nesta faixa etária usam a internet com frequência, o que representa 23,7 milhões de jovens em todo o País. Para este grupo, o telefone celular se tornou o principal dispositivo de acesso (83%), seguido dos computadores de mesa, tablets ou computadores portáteis ou consoles para videogames.
De acordo com o estudo, uma em cada três crianças e adolescentes usuárias de internet (37%) declarou ter visto alguém ser discriminado na Internet no último ano – o equivalente a 8,8 milhões de jovens. Entre os motivos identificados para a discriminação, 23% das crianças usuárias citaram preconceito de cor ou raça; 13% mencionaram aparência física; e 10%, relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.
Além disso, 20% das crianças e adolescentes declararam terem sido tratadas de forma ofensiva na internet, caracterizando uma das formas de cyberbullying. Nesta amostra, 21% dos adolescentes deixaram de comer ou dormir por causa da internet, 17% procuraram informações sobre formas de emagrecer, 10% buscaram formas para machucar a si mesmo, 8% relataram contato com formas de experimentar ou usar drogas e 7% declararam ter tido acesso a maneiras de cometer suicídio.
Para a SBP, esses indicadores ajudam a dimensionar o problema, que pode ser ainda maior, pois, conforme relata a Tic Kids 2015, 77% dos adolescentes e crianças ouvidos enviam mensagens instantâneas ou usam as redes sociais quando sozinhos e 61% já postaram fotos ou vídeos na internet. Também é preocupante o fato de que 39% já tiveram contato com pessoas que não conheciam pessoalmente e 18% encontraram com desconhecidos.
TEMPO DE TELA – As primeiras orientações do Manual chamam a atenção para o tempo de uso da tecnologia digital, também denominado tempo de tela (do inglês screen time). Neste contexto, a SBP pede que esse período seja limitado e proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo-psicossocial das crianças e adolescentes.
Além disso, os pediatras desencorajam e pedem para que seja evitado ou até proibida a exposição passiva às telas digitais, com acesso a conteúdos inapropriados de filmes e vídeos, para crianças com menos de dois anos, principalmente, durante na hora das refeições ou nas horas que antecedem o sono. Crianças entre dois e cinco anos também devem ter o tempo de exposição limitado: no máximo uma hora por dia.
Até os seis anos de idade, a orientação é para que as crianças sejam protegidas da violência virtual, “pois não conseguem separar a fantasia da realidade”. De acordo com o guia, jogos online com cenas de tiroteios, mortes ou desastres e que ganham pontos de recompensa não são apropriados em qualquer idade, “pois banalizam a violência como sendo aceita para a resolução de conflitos, sem expor a dor ou sofrimento causado às vítimas”.
Fazer uso de televisão ou computador nos seus próprios quartos não é recomendado para crianças menores de 10 anos. “A orientação visa evitar que as crianças fiquem vulneráveis a conteúdos inapropriados ou, ainda, que tenham acesso facilitado às redes de pedofilia e exploração sexual online, compra e uso de drogas, pensamentos ou gestos de autoagressão e suicídio, além das ‘brincadeiras’ ou ‘desafios’ online que podem ocasionar consequências graves”, explica a dra. Evelyn Eisenstein, que coordenou a elaboração do Manual da SBP.
Aos adolescentes, a recomendação também é para que não fiquem isolados em seus quartos. “É preciso estabelecer limites de horários e mediar o uso com a presença dos pais para ajudar na compreensão das imagens. Além disso, é preciso equilibrar as horas de jogos online com atividades esportivas, brincadeiras, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza”, ressaltou a especialista.
DIÁLOGO E VIGILÂNCIA – Conversar sobre as regras de uso da internet, sobre o nível de segurança e privacidade e sobre nunca compartilhar senhas, fotos ou informações pessoais ou se expor a pessoas desconhecidas, também fazem parte das recomendações do Manual de Orientação “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital”. Os pediatras também incentivam os pais e cuidadores a monitorar os sites, programas, aplicativos e vídeos que crianças e adolescentes acessam, visitam ou trocam por mensagens, sobretudo nas redes sociais.
Também é recomendado o diálogo sobre valores familiares e regras de proteção social para o uso saudável, crítico e construtivo das tecnologias, enfatizando a relevância ética de não postar qualquer mensagem de desrespeito, discriminação, intolerância ou ódio. Sob o ponto de vista técnico, a instrução é para que sejam utilizados antivírus, antispam, softwares ou programas que sirvam de filtro de segurança e monitoramento para palavras, categorias ou sites. “Alguns até restringem o tempo de uso de jogos online e o uso de aplicativos e redes sociais por faixa etária”, cita o documento.
Confira abaixo algumas das recomendações da SBP:
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
PARA PAIS:
PARA EDUCADORES E ESCOLAS:
PARA PEDIATRAS:
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