Teste do Pezinho ampliado deve ser oferecido no SUS, afirma presidente de DC

A triagem neonatal, conhecida como Teste do Pezinho, é de suma importância para a saúde das crianças. Ela é uma das principais maneiras de diagnosticar uma série de doenças, antes mesmo de aparecerem os primeiros sintomas. Por meio dela, doenças raras, de origem genética, podem ser detectadas e facilitando o tratamento precoce e trazendo mais qualidade de vida aos pacientes e suas famílias.

Atualmente no Brasil, existem três versões do Teste do Pezinho: uma básica e duas ampliadas. A mais simples é capaz de detectar até seis tipos de doenças (fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, fibrose cística, anemia falciforme, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase) e está disponibilizada no Sistema Único de Saúde (SUS). Já as duas versões ampliadas podem detectar de 10 a 50 tipos de doenças (além das seis já detectadas pelo teste básico, também pode indicar deficiência de G-6-PD, galactosemia, leucinose e toxoplasmose congênita), sendo encontrada apenas na rede de saúde particular.

Associações de pais portadores de doenças raras vêm se mobilizando para que as versões ampliadas do Teste do Pezinho também sejam oferecidas na rede pública. O Instituto Vidas Raras, em parceria com outras organizações, criou uma petição online a favor da causa. O objetivo é recolher pelo menos 1 milhão de assinaturas e, assim, encaminhar um projeto de lei ao Congresso Nacional para garantir o acesso a essas versões.

Ao SBP Notícias, o presidente do Departamento Científico de Imunologia Clínica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dr. Antônio Condino-Neto, fala sobre a importância dessa medida. “A ampliação é para detectar cerca de 50 doenças metabólicas, todas de evolução catastrófica, que necessitam do pronto-diagnóstico para que a conduta apropriada seja estabelecida”, destaca.

No bate-papo, dr. Condino-Neto fala ainda da tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei para oferecer de forma gratuita o teste ampliado e qual o papel do pediatra na luta para que esse imbróglio seja resolvido. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.

SBP NOTÍCIAS – Por que é importante a ampliação do Teste do Pezinho na saúde pública?

Dr. Antônio Condino-Neto – Hoje, o teste básico da triagem cobre seis doenças. A ampliação é para detectar cerca de 50 doenças metabólicas, todas de evolução catastrófica, que necessitam do pronto-diagnóstico para que a conduta apropriada seja estabelecida. Especificamente, existem dois itens que são os testes da imunidade do bebê para o grupo de doenças que se denomina imunodeficiência grave combinada e um outro grupo que é a chamada agamaglobulinemia congênita, que na verdade é mais um subgrupo de mais cerca de 50 doenças que, se não forem diagnosticadas precocemente, evoluem para a morte no primeiro ano de vida, invariavelmente.

SBP NOTÍCIAS – Quais os benefícios que o Teste do Pezinho traz às crianças e suas famílias?

Dr. Antônio Condino-Neto – Do ponto de vista imunológico, que é a minha área de atuação, os testes para imunidade devem ser feitos ao nascimento e a criança deve ser encaminhada para o transplante precocemente. As chances de cura são acima de 90%, quando o diagnóstico e o transplante de medula são feitos até o terceiro mês de vida. Se isso não ocorre, essas crianças começam a ter infecções em repetição e a partir daí as coisas se complicam com internações – gerando um alto custo para o sistema público de saúde – o que é muito ruim para o paciente, que fica sujeito a ter complicações e sequelas. Os estudos de farmacoeconomia estão muito bem estabelecidos. Eles apontam que uma criança diagnosticada e tratada custa 1/5 do que custaria sem o diagnóstico. Por isso, é muito importante o diagnóstico precoce. No Brasil, existe um pleito para implantação do teste da imunidade do bebê no âmbito da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), inclusive apoiado pela SBP. Os estudos de farmacoeconomia indicam claramente que se isso ocorrer [implantação] gerará uma economia para o sistema de mais de R$ 50 milhões, pois o paciente sem diagnóstico e frequentando hospitais custa muito caro. Além disso, o tratamento é fadado ao fracasso, porque o que tem que ser feito é o transplante de medula. É importante deixar claro que o nascimento de crianças com doenças raras, de evolução grave e elevado custo social, continuará acontecendo. Além disso, o objetivo da triagem neonatal é encontrar essas pessoas precocemente e já instituir a linha de tratamento. Ou seja, tratando, tem todo o benefício médico-biológico de cuidar do indivíduo que se recuperará da doença, economizando muito para o sistema de saúde. Portanto, não adianta fingir que essas doenças não existem.
 
SBP NOTÍCIAS – Na sua opinião, o que impede que o Teste do Pezinho ampliado seja oferecido pelo SUS?

Dr. Antônio Condino-Neto – Isso é basicamente um problema de esclarecimento e educação. Quando esses resultados são apresentados às fontes pagadoras individualmente sempre dizem que o teste é caro. Porém, quando os testes são realizados em massa, seguramente o valor cairá muito. Além disso, quando o paciente é identificado e começa o tratamento precocemente, isto gerará uma economia grande se comparado ao valor gasto para o tratamento das complicações. É justamente isso que os estudos de farmacoeconomia têm feito e precisam ser amplamente divulgados às autoridades para que sejam convencidas que é muito melhor investir na prevenção do que no tratamento de complicações.

SBP NOTÍCIAS – Existe algum tipo de tramitação no Congresso Nacional para que o Teste do Pezinho ampliado seja oferecido pelo SUS?

Dr. Antônio Condino-Neto – Com relação aos testes de imunidade, existe um pleito no Ministério da Saúde em tramitação desde 2014, quando foi editada a Portaria 199/2014 das Doenças Raras, que fez com que avançássemos tecnicamente no âmbito da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). No entanto, essa tramitação foi interrompida com a crise política. Não é que o governo federal tenha recusado, mas a tramitação parou. Existe uma ação civil pública do Ministério Público Federal para implantação do teste do pezinho e da imunidade. Fui convocado para prestar depoimento à Justiça Federal, em outubro de 2016. Na audiência, houve um clima favorável à discussão das ideias, com sensibilização da juíza e do promotor federal com a minha argumentação, mas eu não tenho acesso ao resultado da sentença. Além desse, existe outro pleito aprovado pela Associação Médica Brasileira (AMB) para inclusão desse procedimento no rol da ANS, esse código já existe na tabela CHBPM. Isso dando certo, já é uma grande conquista porque a saúde suplementar no Brasil engloba aproximadamente cerca de 20 a 30% dos nascimentos, o que corresponde a cerca de 600 mil nascimentos por ano. Se isso ocorrer, servirá como forte argumento para incorporação pelo Ministério da Saúde como adoção universal. Em resumo, a ampliação tanto das doenças metabólicas quanto imunológicas trará um ganho indiscutível para a qualidade da medicina brasileira e, logicamente, para as pessoas que são afetadas.

SBP NOTÍCIAS – De que forma os pediatras podem ajudar na ampliação do Teste do Pezinho?

Dr. Antônio Condino-Neto – Os pediatras devem abraçar essa causa, divulga-la amplamente e ter um papel educador. Ou seja, este especialista habilitado para cuidar da saúde das crianças e adolescentes deve solicitar, na sua prática diária, esses exames que englobam o Teste do Pezinho ampliado e esclarecer às famílias a sua importância. Atualmente, esse teste em uma maternidade privada compete economicamente com serviço de flores, lembrancinhas, fotógrafo, ou seja, é um problema de educação. Cabe aos pediatras esclarecerem às famílias as quais assiste que é muito mais importante fazer esse teste ampliado do que comprar lembrancinhas e decoração. A SBP deve ter um posicionamento muito firme com relação a esta questão.