Valorização do pediatra

Brasília, sábado, 30 de maio de 2009 Dioclécio Campos Júnior MÉDICO, PROFESSOR TITULAR DE PEDIATRIA DA UNB E PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA No cenário atual da saúde, a tomada de posição firme pelos pediatras tarda, mas não falta. É só uma questão de tempo. Os arranjos animados por perspectivas ilusórias atrasam o processo, …

Brasília, sábado, 30 de maio de 2009

Dioclécio Campos Júnior

MÉDICO, PROFESSOR TITULAR DE PEDIATRIA DA UNB E PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA

No cenário atual da saúde, a tomada de posição firme pelos pediatras tarda, mas não falta. É só uma questão de tempo. Os arranjos animados por perspectivas ilusórias atrasam o processo, não o esgotam. A descrença que turva o olhar crítico é transitória, jamais irreversível. A depressão às vezes desencoraja atitudes, não as elimina. A humilhação rebaixa a autoestima, não a sepulta. A capacidade de reagir esmorece, não fenece.

O cerne existencial do pediatra é íntegro, resiste. Revela o brio de alguém bem formado, a força da convicção forjada na tenacidade de quem crê no valor do que faz. A alma terna, porém indomável, do cidadão que milita no território da vida nascente, no reduto dos viços originais da criatura humana, nos recantos regados e alegrados pelas potencialidades infantis, cheias do ilimitado, plenas do imponderável.

A maioria da sociedade brasileira, incluindo o ministro Temporão, respeita o pediatra, entende o caráter primaz da missão que exerce. Preza sua postura. Admira-lhe a compostura. Requer-lhe os préstimos especializados. Destina-lhe lugar diferenciado nas relações preferenciais do universo familiar. Situa-o no âmago das reverências que ainda cultiva como rito socialmente consagrado.

Já as instituições públicas e privadas de saúde do país aliam-se na estratégia de desmerecer os cuidados pediátricos. Parecem convergir na meta de vulgarizá-los, negando-lhes o valor prioritário que as sociedades mais desenvolvidas passaram a dar-lhes. Insistem em desconhecer a evidência científica que identifica a qualidade do cuidado assegurado à infância como o único investimento capaz de prevenir as doenças do adulto. Aviltam salários dos pediatras, fecham leitos hospitalares para crianças, remuneram consultas pediátricas a preço de banana. Inviabilizam os padrões clínicos de qualidade que o pediatra sabe fazer como poucos médicos. Dão preferência a procedimentos de maior complexidade tecnológica e menor alcance social. Ignoram a medicina da criança e do adolescente no que realiza de ações educativas e preventivas, cujo alcance tem o poder revolucionário de transformar a realidade brasileira. Talvez seja essa a razão para políticas de saúde tão destoantes da verdade científica. Talvez a estratégia para perpetuar as desigualdades que interessam à plutocracia dominante.

Os pediatras despertam. Percebem que já deram sua cota de sacrifícios e privações pessoais. Não aceitam mais a condição de míseros sobreviventes num sistema de saúde que se recusa a valorizá-los. Não querem integrar o exército de reserva à disposição de gestores inconsequentes, ávidos pelo poder, indiferentes às verdadeiras prioridades da saúde no país. Começam a expressar a força de sua identidade profissional. Não se submetem a contratos que lhes subestimem o mérito e lhes retirem a dignidade altaneira de uma vocação humanista, inteiramente comprometida em cuidar da maior riqueza da sociedade, a infância e a adolescência.

As demonstrações da importante tomada de consciência multiplicam-se país afora. Ou os responsáveis pela saúde pública e privada corrigem as injustiças com que discriminam a pediatria, ou o impasse estará irreversivelmente instalado. No Distrito Federal, pediatras aprovados em concurso público não assumiram as vagas oferecidas. Em Tocantins, todos os pediatras que atendiam emergências pela Unimed deixaram de trabalhar na cooperativa porque os salários pagos foram reduzidos. No município de Canoas, na grande Porto Alegre, os pediatras não se inscreveram para concurso que os levaria a trabalhar sem remuneração à altura do que valem. Na Bahia, pediatras demitem-se das unidades de saúde pública, conscientes de que não devem acumpliciar-se do desrespeito com que são tratados. Fortes sinais da mobilização que leva à retomada da autoestima de médicos formados para cuidar de crianças e adolescentes no Brasil. Resultam de luta coordenada pela entidade pediátrica nacional para combater a injusta remuneração que ameaça a pediatria brasileira, especialidade médica que reúne compromisso social e qualidade científica postos a serviço do ser humano em crescimento e desenvolvimento. Como o prova a conquista da licença-maternidade de seis meses, iniciativa da Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com a senadora Patrícia Saboya.

Os pediatras estão conscientes da integridade profissional com que trabalham. Sabem que a dedicação investida para cuidar da criança tem preço. Não abrem mão. Querem a vida a que fazem jus. Afinal, pediatra tem valor.

EDITOR: DAD SQUARISI // [email protected]