Lançado no 1º Congresso Brasileiro de Nutrologia Pediátrica, está disponível no portal a íntegra do documento científico sobre a deficiência de vitamina D preparado pelo Departamento de Nutrologia e Suporte Nutricional da SBP. Acesse o texto e leia, a seguir, a entrevista com a presidente, Roseli Sarni.
Por que decidiram fazer agora o documento?
Roseli Sarni: Durante muito tempo imaginávamos que a função da vitamina D era exclusivamente para o metabolismo do cálcio e para a preservação do osso. Hoje sabemos que é muito mais que isso. É assunto extremamente atual e os pediatras têm dúvidas, que buscamos esclarecer. Discute-se inclusive considerá-la um hormônio, pois foram identificados receptores de vitamina D em vários tecidos e órgãos, e papel na prevenção da obesidade, de infecções, no sistema imunológico. Nossa grande indagação é saber o quanto precisaríamos de vitamina D para essas outras funções, além das ósseas. Uma criança precisa de 400 UI por dia para que seus ossos sejam formados de uma maneira saudável. Mas não sabemos o quanto precisaria para reduzir o risco de infecções, melhorar o funcionamento do sistema imunológico e para prevenir problemas como câncer e obesidade. Ao mesmo tempo, com a divulgação dessas outras vantagens, a venda dessa vitamina aumentou 700% nos últimos anos, até pela automedicação. Os próprios médicos, às vezes, prescrevem, solicitam dosar no indivíduo quando não há necessidade disso para todas as crianças, nem adultos. Por tudo isso, resolvemos fazer um posicionamento. Coincidentemente, a Academia Americana de Pediatria publicou artigo sobre o assunto na revista Pediatrics de outubro e já incorporamos isso no nosso documento.
Houve aumento da dose profilática?
Já indicávamos para uma criança abaixo de um ano a quantidade diária de 400 UI. Entre um a dois anos continua a dose de 600 UI para profilaxia e prevenção medicamentosa. A novidade no nosso posicionamento é que isso independe da região. No passado, éramos mais abertos em relação às crianças do Nordeste, do Norte, pelo fato de ficarem mais expostas ao sol. Mas vimos que, com o ângulo de incidência dos raios ultravioleta, essa exposição precisaria ser em um horário entre às 10 e 15h, proibitivo para o risco de câncer de pele. Indicamos, portanto, a suplementação medicamentosa profilática, pois não se garante uma produção adequada se a criança for exposta nos horários que recomendamos, que é antes das 10h e depois das 15h.
Bebês e adolescentes estão entre os que precisam de mais atenção nesse assunto?
A recomendação de profilaxia medicamentosa da SBP é para crianças abaixo de dois anos. É obrigatória no bebê que mama no peito a partir da primeira semana de vida. Para aquele que usa fórmula, queremos que o pediatra verifique o quanto está recebendo e continue completando a dose. Sobre os adolescentes ainda não nos posicionamos, pois no Brasil temos poucos estudos, há apenas um em São Paulo, é preciso mais embasamento. Nos EUA já preconizam o suplemento medicamentoso para o adolescente.
E quanto aos “grupos de risco” e a necessidade de avaliar a concentração sérica de vitamina D em exame laboratorial?
Os negros teriam uma dificuldade maior de penetração dos raios UVA, devido à melanina. Com isso, estão no que chamamos de “grupo de risco”. Há também o caso bastante polêmico dos obesos, aos quais deveríamos prestar mas atenção. É que parte da vitamina D fica retida na gordura. Também se encaixam nesse grupo pessoas com lúpus e problemas de pele em geral, que exigem uma fotoproteção mais rigorosa, os pacientes que têm problemas renais e hepáticos, pois a ativação da vitamina ocorre no fígado e nos rins. Para essas pessoas, recomendamos solicitar a dosagem da 25 (OH)D no sangue. Nas crianças saudáveis como um todo deve ser feita a profilaxia medicamentosa adequada e, estimulando a alimentação, brincadeiras ao ar livre, não haverá necessidade de dosar.
Em que alimentos encontramos a vitamina D?
Nos “peixes-gordos”, tipo o salmão, que têm gordura intrínseca, porque a vitamina é solúvel em gordura. O alimento só nos supre de 20 a 30% de nossas necessidades diárias, o restante precisa vir pela pele e pelo medicamento. No Brasil não há fortificação de leite, exceto nos especiais. Por isso, o leite que aparece nas tabelas americanas não serve para nós.
O protetor solar impede os benefícios da vitamina?
Se fosse utilizada a camada de duas gramas por centímetro quadrado de pele, que é o que a Sociedade Americana de Dermatologia recomenda, com um filtro solar acima de oito, haveria algum comprometimento. Mas o que foi verificado é que ninguém passa essa concentração de protetor e sim camadas muito mais finas. O que parece ser mais danoso para benefício em relação à vitamina D – e não sobre o câncer de pele – é um comportamento de fotoproteção mais rigoroso, por barreira mecânica, com bonés, chapéus, camisas de manga comprida, por exemplo, além do protetor solar. Há esse dilema em relação ao sol, bem como ainda precisamos saber a dose certa de vitamina necessária em relação às novas funções descobertas. Sabemos que é preciso introduzir o remédio nas faixas etárias mais baixas, nos grupos de risco. Novas recomendações poderão surgir com a evolução das pesquisas.
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