A volta às aulas em meio à pandemia de Covid-19 tem ocupado espaço significativo do noticiário e preocupado os pais e responsáveis, em grande parte temerosos pelos riscos implicados no retorno das atividades escolares. Para esclarecer as principais dúvidas e orientar a população brasileira, o SBP Notícias conversa com o membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dr. Eduardo Jorge da Fonseca Lima, que também coordena a Pós-graduação Lato Sensu do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP).
“Esse talvez seja um dos temas mais polêmicos no contexto da Covid-19, especialmente porque existem várias perguntas complexas que permeiam o pensamento das famílias, nesse momento. A principal delas é: se as escolas reabrirem, o ambiente será seguro para alunos e professores? Nesse sentido, os pediatras podem auxiliar com base em constatações que a ciência já fornece sobre a pandemia”, pondera.
Conforme salienta o especialista, que também é vice-presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco (SOPEPE), apesar dos debates em torno do novo coronavírus, uma das poucas certezas é que não existem evidências de medicamentos específicos para o tratamento da Covid-19. Por esse motivo, o retorno à rotina escolar deve ser norteado pela cautela, seguindo parâmetros bem definidos que incluam a análise da situação epidemiológica de cada localidade.
“As escolas só devem reabrir se o local em questão apresentar: cenário epidemiológico com curva descendente; leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) com disponibilidade suficiente; e redução sustentada do número de óbitos. Sem esses três elementos, não é recomendada a volta às aulas. Infelizmente, poucas cidades nesse momento se enquadram nos três requisitos”, comenta.
MEDIDAS DE PROTEÇÃO – De todo modo, na avaliação do dr. Eduardo Jorge, o período atual é oportuno para iniciar as discussões a respeito do retorno às atividades escolares, uma vez que uma série de medidas de proteção certamente precisarão ser implementadas para minimizar o perigo de transmissão nos colégios brasileiros.
Em abril deste ano, já atentos à situação, os Departamentos Científicos de Imunização, Infectologia e Saúde Escolar da SBP elaboraram dois documentos científicos – “Covid-19 e a volta às aulas” e “O ano letivo de 2020 e a Covid-19” – para orientar gestores, professores, pediatras e famílias sobre como efetuar de maneira segura o retorno presencial à rotina estudantil.
“A lavagem adequada das mãos com água e sabão, o uso das máscaras de acordo com a faixa etária e o distanciamento físico de no mínimo 1,5 metros são práticas fundamentais para evitar o contágio. Todas as escolas que cogitarem a reabertura vão ter que sistematizar essas práticas. Além disso, também é imprescindível investir numa nova organização de turmas. As experiências internacionais bem-sucedidas são aquelas que adaptaram grupos pequenos, que frequentam as aulas em regime de alternância entre aulas presenciais e à distância”, diz.
Especificamente sobre o uso das máscaras, a SBP mantém a recomendação para que as crianças utilizem este equipamento de proteção a partir dos dois anos de idade, uma vez que foi demonstrada a eficácia do equipamento.
Conforme reforça o dr. Eduardo Jorge, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez novas recomendações em documento divulgado nos últimos dias, indicando a utilização de máscara para todos os adolescentes acima de doze anos; e para crianças entre seis e onze anos que residam em região com intensidade elevada de transmissão da Covid-19 – como o Brasil – ou tenham interação com pessoas do grupo de risco.
Para crianças acima dos dois anos e abaixo dois seis, a publicação indica o uso nos casos em que a criança ou seus contactantes estejam expostos a situações de risco e que a criança demonstre capacidade para o uso correto, sempre com a supervisão de um adulto.
“O entendimento geral é que abaixo dos dois anos há risco de sufocamento, por isso, é preferível não utilizar a máscara. Com bom senso, o pediatra deverá individualizar essas indicações, de acordo com o desenvolvimento de cada paciente”, explica.
PREJUÍZOS PARA A INFÂNCIA – Em contraponto ao risco de contágio da Covid-19, conforme destaca o representante da SBP, também é preciso admitir que a ausência do ambiente escolar e do convívio com a comunidade são elementos prejudiciais ao bem-estar e desenvolvimento da população pediátrica, sobretudo para os indivíduos que pertencem às camadas menos privilegiadas da sociedade.
“A segurança alimentar é um tópico que nos preocupa, ainda mais em tempos de recessão econômica. Muitas famílias contam com a merenda como complemento da alimentação da criança”, destaca. Além disso, segundo informa, em tempo integral fora da escola, aumentam expressivamente os riscos de gravidez na adolescência, assim como de violências e abusos de várias espécies e uso de drogas.
“Podemos incluir ainda o perigo de elevarmos a evasão escolar, realidade já bastante comum no Brasil. Em resumo, com as escolas fechadas, todas essas vulnerabilidades são amplificadas e as crianças ficam bastante desamparadas. Por isso, os gestores públicos e privados precisam ter uma visão integral do problema, que não se resume a questão do contágio”, salienta.
DIFERENÇAS SOCIAIS – De acordo com o dr. Eduardo Jorge, outro tópico de extrema importância são as diferenças sociais e econômicas existentes entre os estudantes de escolas públicas e privadas. Segundo pondera, a quarentena acentuou as desigualdades há muito verificadas no sistema educacional do Brasil.
“Mesmo que de maneira não ideal, quem está na rede particular manteve a continuidade do aprendizado. Por outro lado, no ensino público, milhares de alunos tiveram o ano letivo completamente paralisado. Muitas famílias não têm acesso à internet e às tecnologias de informática e o Estado ainda não conseguiu suprir essa demanda de forma efetiva”, disse.
De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em função da pandemia de Covid-19, cerca de 500 milhões de crianças e adolescentes foram excluídas do sistema educacional, em 2020, ao não serem contempladas pelo ensino à distância (EAD). O número corresponde a um terço da comunidade escolar em todo o mundo.
CIÊNCIA – No entendimento do dr. Eduardo Jorge, nesse momento, o preponderante é utilizar as evidências consensuais entre a comunidade científica para nortear todas as ações de combate à pandemia, sobretudo no retorno às aulas, de maneira segura e planejada.
“Para que a volta às escolas seja realmente benéfica, cada secretaria de educação e saúde, nas esferas municipais e estaduais, precisará desenvolver estratégias baseadas nos apontamentos da ciência. Por isso, sobretudo nesse período em que ainda não existe viabilidade para aulas presenciais, a sugestão é que haja análise crítica das diversas publicações e das possíveis repercussões do retorno às aulas. Seguir as indicações técnicas, adaptadas a cada realidade, é o primeiro passo para vencermos mais essa etapa da pandemia”, conclui o pediatra.
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