Júlio Dickstein nasceu no dia 10 de outubro de 1923, na cidade de São Paulo. Aos três meses de idade, foi acometido de distúrbio gastrintestinal grave, com diarreia e vômitos frequentes. Em Campinas foi atendido por um médico, recém-chegado da Alemanha, que diagnosticou intolerância ao leite. Na época, a deficiência de lactase era uma patologia ainda desconhecida pela pediatria nacional. Esta história, contada inúmeras vezes, marcou a sua vida. A figura do médico que salva a vida das crianças dominou seu subconsciente. Júlio, desde pequeno, dizia que seria pediatra quando crescesse. Alguns tempos depois, sua família transferiu-se de São Paulo para Caçapava, no Vale do Rio Paraíba, onde cresceu e concluiu sua escolaridade fundamental no Grupo Escolar e no Ginásio Estadual da cidade. Como cuidar de crianças tornou-se uma obstinação para ele, acabou cursando a Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro.
Nos anos 1940, a Faculdade Nacional de Medicina era tida como uma das boas escolas para essa carreira. Ingressou nessa escola em 1943 e começou a trabalhar como propagandista no laboratório farmacêutico Moura Brasil – Orlando Rangel, onde permaneceu durante os seis anos de sua formação médica. Quando concluiu a graduação (1949), já era estagiário na Policlínica de Botafogo, no Serviço de Luis Torres Barbosa. Seus planos de recém-formado eram voltar para São José dos Campos, que, naquela época, começava a se industrializar e se desenvolver. No ano seguinte, o Hospital dos Servidores do Estado (HSE) ampliou a Residência Médica, até então limitada ao Serviço de Pediatria, dirigido por Luiz Torres Barbosa, aos demais serviços do hospital. Seguindo a orientação do mestre, fez os dois anos de residência, morando no hospital, como acontecia naquela época. Uma característica marcou sua passagem pelo Serviço, a habilidade manual: conseguia, com facilidade, acesso à veia de crianças pequenas. Em função disso, ficou encarregado das transfusões na pediatria. Quando terminou a residência, por solicitação de diretor do Banco de Sangue, foi contratado e lá permaneceu por dois anos. Essa experiência foi fundamental para que, em 1956 realizasse, com êxito, a primeira exsanguíneo transfusão no Rio de Janeiro, no tratamento de um caso de eritoblastose fetal, provocada por incompatibilidade no sistema Rh, patologia até então sem tratamento. Em 1954 foi aprovado em concurso e passou a integrar o quadro da pediatria do HSE. Em 1967 foi criada a primeira Unidade de Terapia Intensiva infantil (Cetip) da cidade do Rio de Janeiro, e ele assumiu a sua direção. O Cetip não foi só pioneiro em exsaguíneo transfusão, mas principalmente em terapia intensiva de crianças e na formação dos primeiros especialistas nessa área. Outro marco de inovação terapêutica ocorreu em 1971, com o processo de alimentação parental total utilizando-se o lipídio de soja. Em 1979 foi convidado pelo diretor do Hospital, Dr. Aloysio de Salles Fonseca, para ser chefe da Divisão Médica. No ano seguinte foi nomeado presidente do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps): uma instituição que vivia sob pressão política, submetida a fortes interesses econômicos. Lidar com esses poderes não fazia parte da vocação de Júlio Dickstein. Por esse motivo, em 1982 saiu do Inamps e foi convidado por Léa Leal, da Legião Brasileira de Assistência (LBA), a trabalhar implantando as ações básicas de saúde: vacinação, estímulo ao aleitamento, terapia de reidratação oral e ensinamentos básicos de higiene para gestantes e puérperas. Em 1993 aposentou-se e passou a cooperar, voluntariamente, no atendimento a meninos e meninas de rua, na Fundação São Martinho, prestando atendimento pediátrico aos mesmos.
Em termos de militância associativa, começou a participar da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) assim que se formou. Quando assumiu a sua presidência (1974), a Sociedade tinha uma única sala na Av. Franklin Roosevelt, com dois funcionários. Sua presença não se fazia sentir no país, sua ação restringia-se à cidade do Rio de Janeiro e seus membros eram majoritariamente cariocas. Na realidade, tratava-se de uma sociedade carioca, com Brasileira no nome. A mensalidade de seus associados mal dava para pagar a tiragem de dois ou três números de seu jornal por ano. Paralelamente a isso, a filiada de São Paulo crescia em tamanho e em atividades e a Sociedade Paranaense já era uma entidade muito ativa. Assim, a SBP corria o risco de se isolar. Por meio de um trabalho com Fernando Nóbrega, os entendimentos entre a SBP e a Sociedade de Pediatria de São Paulo foram incrementados. Além disso, conseguiu-se um patrocinador para o Jornal de Pediatria. Assim, foram saneadas as dívidas e foi possível, com os recursos dos pediatras, comprar três salas nas dependências do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
No Hospital dos Servidores do Estado, no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, na Legião Brasileira de Assistência, na Sociedade Brasileira de Pediatria e no Hospital da Ordem Terceira, onde foi diretor-médico de 1980 a 1983, Júlio Dickstein revelou-se sempre um pediatra preocupado com o coletivo.