Pediatras trabalham em prol da valorização da puericultura
Em latim, puericultura significa cuidado da criança, sentido que deve ser estendido às diferentes dimensões de um ser que passa por intenso processo de crescimento e desenvolvimento. Base essencial da pediatria, debruça-se sobre as primeiras duas décadas de vida, acompanhando não só a saúde, mas, sobretudo, as relações sociais e familiares.
Clovis Constantino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), conta que essa prática compreende série de medidas preventivas, tais como “nutrição adequada; imunização; higiene em geral; adaptações e inadaptações na idade escolar; atividade física; prevenção de obesidade; e monitoração de aspectos psicoafetivos e emocionais”.
Entre os reflexos deste trabalho, destacam-se melhoria das condições de saúde, redução nos gastos com medicamentos, aumento de produtividade, e melhora do convívio familiar.
Por meio de diálogo com paciente; pais e/ou responsáveis; irmãos; membros da família estendida, como avós; professores; educadores físicos; e até psicopedagogos, o especialista pode identificar sinais que interferem no bem-estar – como sintomas de estresses, cujas manifestações podem caracterizar-se por irritabilidade, insônia, preguiça, cansaço, inapetência, má alimentação e inseguranças.
“Estar presente por todo o período de crescimento e desenvolvimento é a principal preocupação do pediatra. Ao observar as mudanças biológicas e emocionais, é possível verificar se está tudo normal e, caso haja algum desvio, podemos rapidamente investigar, identificar e corrigir”, afirma.
Problemas na rede pública e suplementar
De acordo com Constantino, o cenário é o mesmo no Sistema Único de Saúde e nos sistema suplementar. A falta de infraestrutura do SUS compromete o atendimento, dificultando o agendamento de consultas, principalmente para abordagens pediátricas complexas e demoradas. Já na outra ponta, os planos de saúde criam barreiras que impedem a frequência adequada da criança no consultório.
“É uma atividade que despende muita energia, atualização profissional e investimento de tempo. Com a alta demanda na rede pública e as carências decorrentes do subfinanciamento do setor, o profissional não consegue exercer a puericultura”, declara.
Nas operadoras de saúde, o vice-presidente da SBP comenta o processo que artificializa algo que é fundamental na pediatria. “Se atendemos uma criança, diagnosticamos uma doença e, após uma semana de internação, conseguimos controlar o quadro e ela recebe alta, encontraremos restrições para agendar outra consulta, na qual conseguiríamos fazer o acompanhamento mais extenso. Ou seja, no sistema suplementar, esbarramos com mecanismos que inviabilizam o monitoramento geral da saúde infanto-juvenil”.
Valorização
O especialista explica, ainda, que existe, há pelo menos três séculos, uma luta dentro da classe que visa à valorização dessa prática: altamente complexa, demanda esforço mutuo de pais e médicos. “O que vemos é a adoção crescente de prontos-socorros e pronto atendimentos, ignorando a necessidade de observar a criança em um espectro mais amplo”.
Durante Reunião de Cúpula em Favor da Infância, em Nova York, no ano de 1990, concluiu-se que puericultura assegura direitos pertinentes à população, bem como seu cumprimento é dever do Estado.
“Isso é um ponto muito bem entendido internacionalmente, principalmente em países cujo financiamento em saúde é mais efetivo do que no Brasil. Entende-se que remuneração e condição de trabalho contribuem para puericultura bem aplicada e, assim, atua em prol da saúde e educação”, ressalta.
Apesar de não haver estudos científicos conduzidos para avaliar o impacto financeiro da aplicação efetiva deste tipo de assistência, sabe-se que o montante destinado ao tratamento de moléstias diminuiria consideravelmente. “Isso ocorre pela redução da possibilidade de doenças instalarem-se e pelo controle precoce, que previne o agravamento dos quadros”.
A fim de conscientizar médicos, operadoras de saúde, e órgãos governamentais, a SBP atua juntos aos associados em prol da valorização da medicina preventiva. “Nós, enquanto sociedade de especialidade, temos a obrigação de estarmos sempre recapitulando a importância desse tipo de assistência, além de promover atualização profissional. Em termos de saúde, a puericultura é muito mais importante do que tratar doenças, uma vez que pode prevenir complicações e problemas – por isso deve ser mais reconhecida”, conclui Clovis Constantino.